4. Sistema de informação e infraestrutura de dados de saúde no Brasil

A produção efetiva de dados relevantes e oportunos sobre recursos, atividades e qualidade em todo o setor de saúde é um objetivo importante do sistema de saúde – um fato que foi exacerbado durante a crise da COVID-19 –, e o amplo uso desses dados é um fator fundamental para a melhoria do desempenho de tais sistemas. A avaliação e a melhoria da saúde das populações, além da qualidade e da eficiência dos sistemas de saúde, dependem do uso dos dados de saúde de alta qualidade que permitem a medição, o monitoramento e o benchmarking. A qualidade desses dados está correlacionada com a força e a capacidade dos sistemas e da infraestrutura de informação de saúde, bem como sua preparação para produzir indicadores de saúde regionais e nacionais (OECD, 2013[1]).

Os países da OCDE têm diferenças na disponibilidade, na qualidade e no uso dos dados. Embora todos os seus membros estejam investindo no aprimoramento de sua infraestrutura de dados de saúde, alguns estão ficando para trás devido às restrições que limitam o acesso e o uso de dados já insuficientes. Em última análise, o melhor uso dos dados ocorre através de sistemas de informação mais avançados e integrados em todos os subsistemas de prestação de serviços no país (OECD, 2015[2]).

Em comparação com outros setores, a saúde fica para trás na exploração do potencial dos dados e da tecnologia digital, o que poderia contribuir para salvar vidas e recursos financeiros. Construir sistemas de saúde centrados nas pessoas, eficientes e sustentáveis é um objetivo alcançado por meio do uso inteligente de dados e tecnologias digitais, o que requer ação política adequada e liderança (OECD, 2019[3]).

O Brasil parece compartilhar desses desafios, gerando a necessidade de uma revisão aprofundada do sistema de informação e estrutura de dados de saúde. Alguns desses desafios são exacerbados devido ao tamanho continental do país, com uma geografia heterogênea que as tecnologias precisam atingir (por exemplo, internet, computadores), às necessidades de treinamento de grande número de trabalhadores, às diferentes zonas climáticas, e até mesmo aos tamanhos altamente diversos dos municípios. Os ganhos e insights significativos podem ser alcançados se o desenvolvimento do sistema de informação de saúde for aprimorado, permitindo um sistema de saúde mais digitalizado, melhor compreensão do custo e eficácia dos tratamentos médicos, levando a uma redução nos gastos desnecessários, bem como nas defasagens de qualidade na saúde intra e interregional, por exemplo.

Este capítulo analisa como o sistema de informação e infraestrutura de dados de saúde no Brasil é projetado atualmente, juntamente com suas limitações. Ele descreve as funções das instituições mais importantes dentro do sistema de informação e infraestrutura de dados de saúde, o tipo de dados que cada instituição gerencia e as respectivas fontes de coleta. Em seguida, o capítulo compara o desenvolvimento e a governança dos dados de saúde do Brasil com os países-membros da OCDE, bem como a coleta de dados e as defasagens de disponibilidade. Por fim, ele avalia o progresso do país no desenvolvimento do sistema de informação e infraestrutura de dados de saúde, incluindo recomendações de políticas destinadas à transformação em direção a um sistema de saúde centrado nas pessoas, e baseado em informações.

Destinado a fornecer sistemas de informação e suporte de informática ao SUS, o Departamento de Informática do SUS (DATASUS) foi criado em parceria com a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) em 1991, com transferência de pessoal do DATAPREV, da Fundação de Serviços Públicos de Saúde (Fundação SESP) e da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM). O controle e o processamento dos dados de saúde são de competência do Ministério da Saúde, por meio da FUNASA. O DATASUS é constituído como um órgão da FUNASA com o objetivo de especificar, desenvolver, implantar e operar os sistemas de informação em saúde relacionados ao SUS.

Em seguida, ele foi incorporado formalmente à Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, após um processo iniciado em 1998 e concluído em 2002. O DATASUS propõe diretrizes e implementa ações de tecnologia da informação e comunicação no Ministério da Saúde em consonância com as diretrizes e os padrões definidos pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP), por meio de sua Secretaria de Tecnologia da Informação (Ministério da Saúde, 2020[4]). Veja a Figura 4.1 para uma visão mais detalhada da estrutura do DATASUS.

Mais recentemente, foi criado em 2009 o Comitê de Informação e Informática em Saúde – CIINFO com funções normativas, diretivas e fiscalizadoras das atividades relativas aos sistemas de informação e informática em saúde dentro da abrangência do Ministério da Saúde. O CIINFO dirige e supervisiona as atividades relacionadas à informação em saúde, sistemas de informação e política de governança digital no âmbito do Ministério da Saúde e do SUS e faz parte do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), que, por sua vez, é organizado pelo Ministério da Saúde. Em 2019, o CIINFO foi redefinido de acordo com a nova legislação nacional que instituiu a Política de Governança Digital no âmbito dos órgãos e das entidades da Administração Pública Federal.

Em consonância com essas entidades de dados e estatísticas de saúde, o Ministério da Saúde está desenvolvendo atualmente a Estratégia de Saúde Digital para o Brasil 2020-28, a qual visa melhorar de modo progressivo a implementação, as aplicações e os benefícios da saúde digital no país até 2028, tendo o SUS como um de seus principais pilares. As prioridades desta estratégia são apresentadas no Quadro 4.1.

Com base nas diretrizes da Estratégia de Saúde Digital para o Brasil 2020-28, foi instituída a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) como plataforma nacional de interoperabilidade de dados de saúde. Instituída em 2020 como uma iniciativa do DATASUS, ela faz parte do ConecteSUS, programa do governo federal que promove a troca de informações entre os atores da rede de saúde no Brasil, com o objetivo de permitir a transição e a continuidade do atendimento na rede pública e nos setores privados. A previsão é que a RNDS esteja conectada a todos os 27 estados até 2023 por meio da implantação de contêineres na nuvem virtual fornecidos para cada estado. A Coordenação Geral de Sistemas de Informação e Operação (CGSIO) do DATASUS é responsável pela aquisição, instalação e manutenção destes contêineres na nuvem virtual (DATASUS, 2020[6]).

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), vinculada ao Ministério da Saúde e criada para regular o mercado privado de planos de saúde suplementares, foi criada em 2000. Ela é o órgão público exclusivo que coleta e divulga periodicamente dados sobre usuários, operadoras e utilização de planos privados de saúde suplementar e os diferentes planos oferecidos no Brasil. Os dados sobre número e características dos usuários, cobertura geográfica, receitas e despesas das operadoras, tipos de planos privados de saúde suplementar oferecidos e quantidade de reclamações e litígios dos usuários estão entre as estatísticas regularmente publicadas pela ANS.

Também vinculada ao Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) protege a saúde da população brasileira por meio do controle sanitário da produção, da comercialização e do uso de produtos e serviços sujeitos à regulamentação sanitária, fazendo parte do SUS como coordenadora do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS). A ANVISA coleta e publica regularmente dados sobre recebimento e registro de documentos relacionados à sua abrangência; licenças de importação e recintos alfandegários; painéis de execução orçamentária; e a lista de preços dos medicamentos. A Agência também pretende publicar abertamente dados já coletados sobre farmacovigilância e registros de alimentos e medicamentos, por exemplo.

Fora do Ministério da Saúde, outras instituições contribuem com a coleta, a publicação e a análise de dados de saúde no Brasil. Uma dessas entidades é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que é vinculado ao Ministério da Economia e é o principal provedor de dados e informações do país, visando a atender às necessidades da sociedade civil, assim como os órgãos governamentais federais, estaduais e municipais. O Quadro 4.2 traz mais detalhes a respeito das diversas pesquisas sobre a saúde da população brasileira realizadas pelo IBGE.

Estados e municípios também participam do processo de coleta de dados de saúde. O DATASUS tem como missão auxiliar estados e municípios na digitalização das atividades relacionadas ao SUS de acordo com o Decreto no 9.795 de 2019 da Presidência da República.

Em 2019, 18% das Unidades Básicas de Saúde informaram não possuir acesso à internet e 9% informaram que não usaram um computador nos últimos 12 meses (OECD, 2019[3]). Localizações remotas, comunidades indígenas e localidades com acesso limitado às tecnologias de informação e comunicação (TIC) são excluídas em decorrência dos processos de coleta de dados de saúde no Brasil.

A disponibilidade do PEP também é prejudicada devido à falta de conectividade. Os pacientes precisam ter acesso à internet e à plataforma ConecteSUS para visualizá-lo. Conforme mencionado no Capítulo 4 sobre Tecnologia digital do Estudo da OCDE da Atenção Primária à Saúde do Brasil, estima-se que 82% de todas as unidades de saúde e 78% das unidades de atenção primária à saúde tinham sistemas de PEP em 2019 (CGI.br, 2020[8]). Cerca de 18.000 unidades de saúde – correspondendo a 18% de todos os estabelecimentos e incluindo 12.000 unidades públicas – não tinham um sistema de PEP implementado. Das 50.202 eSFs cadastradas no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), apenas 62% de seus registros foram digitalizadas (Ministério da Saúde, 2020[9]). A adoção de sistemas de PEP foi maior nas regiões Sul e Sudeste com 90% e 83%, respectivamente, em comparação com as regiões Nordeste e Norte com 77% e 74%, respectivamente. A digitalização está menos avançada nas regiões Nordeste e Norte, onde as comunidades indígenas do Brasil geralmente estão localizadas (Ministério da Saúde, 2020[10]). Veja o Quadro 4.3 sobre a importância de conectar e digitalizar as práticas de atenção primária.

A governança de dados de saúde refere-se às regulamentações, às políticas e às práticas que fomentam o desenvolvimento e o uso de dados de saúde para pesquisas, estatísticas e outros usos no interesse público relacionado à saúde, enquanto protegem a privacidade e a segurança dos dados de saúde.

Em 2020, o Brasil participou da Pesquisa da OCDE sobre Uso e Governança de Dados de Saúde, que fornece uma base para a compreensão da situação atual no país e permite a comparação das políticas e práticas de governança de dados de saúde no Brasil com as de 23 países da OCDE que responderam a esta pesquisa em 2019-20. A pesquisa contribui para monitorar o progresso dos países em direção à adoção da Recomendação do Conselho da OCDE de 2017 sobre Governança de Dados de Saúde (OECD, 2019[12]). Esta Recomendação pede aos países que desenvolvam uma estrutura nacional de governança de dados de saúde e estabelece os princípios para isso (vide Quadro 4.4 e Tabela 4.1).

No Brasil, uma nova lei de proteção à privacidade de dados pessoais, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), entrou em vigor em agosto de 2018 e, um ano depois, foi inaugurada a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), responsável por aprovar a criação de conjuntos de dados pessoais de saúde e aprovar pedidos de processamento de dados pessoais de saúde, como vínculos de conjuntos de dados.

É um desafio implementar uma nova legislação de governança de dados. O Brasil está desenvolvendo uma estrutura nacional para governança de dados de saúde por meio do CIINFO. O Brasil relata atrasos na introdução da LGPD e na nova Agência Nacional de Proteção de Dados e ainda há trabalho para desenvolver regulamentações que regem o compartilhamento e acesso de dados. O país também enfrenta o desafio de desenvolver pessoal técnico qualificado o suficiente para processar dados e apoiar a torná-los mais acessíveis para pesquisa.

Os resultados da pesquisa indicam que o Brasil se compara favoravelmente a outros países em termos de desenvolvimento e uso de dados nos principais conjuntos de dados nacionais de saúde e possui elementos de boa governança desses conjuntos de dados. A Figura 4.2 fornece um resumo dos resultados da pesquisa.

A disponibilidade, a maturidade e o uso do conjunto de dados são calculados por meio de uma série de parâmetros que medem o grau de desenvolvimento de cada país nesses aspectos. De acordo com as respostas enviadas à Pesquisa da OCDE sobre Desenvolvimento, Uso e Governança de Dados em Saúde, o Brasil relatou um desempenho muito bom em alguns desses parâmetros, como a porcentagem de conjuntos de dados disponíveis que compartilham o mesmo identificador único do paciente; e conjuntos de dados de saúde onde os códigos padrão são usados para terminologia clínica. Para outros parâmetros, o desempenho do Brasil é próximo à média dos membros da OCDE, como porcentagem de conjuntos de dados de saúde nacionais importantes disponíveis; conjuntos de dados de saúde com cobertura de 80% ou mais da população; conjuntos de dados de saúde onde os dados são extraídos automaticamente de registros clínicos ou administrativos eletrônicos; conjuntos de dados usados para informar regularmente a qualidade da saúde ou o desempenho de seu sistema; e conjuntos de dados vinculados regularmente para pesquisa, estatísticas e/ou monitoramento. Por fim, o desempenho do Brasil é de 0% na porcentagem de conjuntos de dados disponíveis em que o tempo entre a criação do registro e sua inclusão nele é de até uma semana em comparação com 16% para os membros da OCDE.

Na governança do conjunto de dados, outro grupo de parâmetros é levado em consideração para avaliar o desempenho de cada país. O Brasil relatou um desempenho muito bom ao ter uma legislação que autoriza conjuntos de dados e possuir uma autoridade encarregada da privacidade/proteção de dados, bem como uma descrição pública de conjuntos de dados. O desempenho do país está próximo da média da OCDE em termos de pessoal treinado em proteção e compartilhamento de dados dentro dos setores público, acadêmico/sem fins lucrativos, com fins lucrativos e transfronteiriços, e é considerado baixo em comparação com a média da OCDE em termos de controles de acesso aos dados do pessoal; desidentificação dos dados antes da análise; testagem do risco de ataque de reidentificação; acordos de compartilhamento de dados padrão e serviço de acesso remoto a dados ou centros de dados de pesquisa; descrições que incluem a base legal para o conjunto de dados; e procedimentos para solicitar e aprovar critérios para vínculos de dados; com pontuações que chegam a 0% para o Brasil.

Os vínculos são conduzidos regularmente entre os seguintes conjuntos de dados no Brasil: dados de pacientes internados em hospitais, de pacientes internados em hospitais psiquiátricos, de atendimento de emergência e de mortalidade. Os dados de nascimento também são vinculados regularmente a esses conjuntos. A maioria dos vínculos de conjuntos de dados no Brasil são para fins de pesquisa; no entanto, os vínculos de dados de atenção primária também dão suporte ao financiamento de saúde e os de dados de mortalidade podem ser conduzidos para auditar os registros de qualidade.

Um ponto forte no Brasil é o uso de um número de identificação do paciente em todos os principais conjuntos de dados de saúde nacionais, o Cartão Nacional de Saúde (CNS). No entanto, é possível que mais de um número tenha sido atribuído ao mesmo paciente, criando um problema de identidade duplicada que poderia ser resolvido com a migração em curso para o uso do Cadastro de Pessoas Física (CPF), iniciada recentemente por alguns bancos de dados. Outras variáveis de identificação também estão disponíveis nesses conjuntos de dados de saúde que podem oferecer suporte a vínculos de conjuntos de dados aprovados. A identificação de variáveis não estava disponível; entretanto, isso ocorreu dentro dos dados de pesquisa da saúde populacional e das experiências do paciente no Brasil ou dentro dos dados de censo populacional. Logo, não é tecnicamente possível vincular os dados de pesquisa ou do censo aos dados de saúde, de modo que a riqueza desses conjuntos de dados em relação às características demográficas e socioeconômicas e aos comportamentos de saúde, por exemplo, possa ser usada para entender melhor a utilização e os resultados do atendimento.

No entanto, o Brasil também relata que a exigência de inclusão de um identificador pessoal nos conjuntos de dados de saúde nacionais é relativamente nova e os problemas de identificação de pessoas nos conjuntos de dados de saúde são falhas importantes de qualidade de dados.

A maioria dos conjuntos de dados nacionais de saúde no Brasil é usada para relatar regularmente os indicadores de qualidade da saúde ou do desempenho de seu sistema. Entretanto, apenas os dados da atenção primária são vinculados regularmente com o objetivo de fornecer indicadores para monitorar a qualidade ou o desempenho, e o objetivo principal desse vínculo é limitado à apresentação de indicadores para monitorar a imunização de crianças de até 1 ano. Conforme indicado na pesquisa, muitos conjuntos de dados são vinculados regularmente para fins de pesquisa, embora o Brasil não esteja vinculando os conjuntos de dados regularmente para informar a qualidade da saúde ou o desempenho de seu sistema, o que representaria uma melhoria para os resultados do sistema de informação e infraestrutura de dados de saúde.

Em outros países, os indicadores baseados em vínculos de conjuntos de dados fornecem uma gama mais ampla de informações para monitorar a qualidade e o desempenho dos cuidados de saúde, como indicadores de readmissão ao hospital e falecimento após eventos importantes, o infarto agudo do miocárdio, por exemplo, ou procedimentos hospitalares importantes, tal como a cirurgia de artroplastia de quadril. Com os dados de saúde oportunos do Brasil e a capacidade de conduzir vínculos de conjuntos de dados, perde-se a oportunidade de utilizar esses dados para monitorar o desempenho do sistema de saúde e detectar problemas. Veja a Tabela 4.2 para exemplos de indicadores baseados em vínculos de registros usados para monitorar regularmente a qualidade da saúde ou o desempenho de seu sistema nos países-membros da OCDE.

Obviamente, os próprios conjuntos de dados devem ser de qualidade suficiente para corroborar a pesquisa e o desenvolvimento de indicadores, e o Brasil levantou uma série de questões. Isso inclui o fato de que os dados de pacientes internados em hospitais, em hospitais psiquiátricos e em prontos-socorros são preenchidos a partir de pedidos de seguro, e essa fonte é limitada no que tange às informações clínicas importantes. Esses dados também apresentam problemas com a qualidade da codificação da terminologia em saúde e com a subnotificação de seus elementos. Para os dados de atenção primária, cuja fonte consiste nos prontuários, as preocupações estão relacionadas à necessidade de melhorar os sistemas de prontuários eletrônicos, aprimorando a adoção de terminologias clínicas padronizadas, expandindo a maturidade dos modelos de informações clínicas e adotando um padrão para troca de informações clínicas, como HL7–FHIR. Os dados de mortalidade no Brasil são desafiados pela necessidade de investigar causas de falecimento não identificadas.

O país não está sozinho no enfrentamento dos desafios de qualidade de dados nos conjuntos de dados nacionais. De fato, 18 dos 23 países identificaram desafios ao desenvolver vários conjuntos de dados de saúde, muitas vezes nacionais. Assim como no Brasil, os problemas de qualidade de dados relacionados à disponibilidade de padrões de terminologia e de codificação para esses padrões são comuns. A OCDE vem pesquisando o desenvolvimento dos países de sistemas de registros eletrônicos de saúde e o uso e governança de dados nesses sistemas, incluindo o progresso e as barreiras à interoperabilidade de dados, e a participação do Brasil nesses esforços é esperada.

A Estônia é um bom exemplo de como os vínculos de dados de saúde podem ser benéficos para os pacientes, facilitando o acesso aos seus próprios PEPs, os quais também podem ser acessados com segurança por seus profissionais de saúde. Isso foi obtido por meio do identificador único do paciente – o número de identificação pessoal nacional – que os estonianos possuem. Veja o Quadro 4.5 para uma visão mais detalhada do portal do paciente da Estônia.

O Brasil fica para trás na coleta e na divulgação regular de alguns indicadores de saúde, o que pode limitar o potencial de análise nacional relacionada à saúde e prejudicar a comparabilidade do país com os membros da OCDE em relatórios multinacionais. Ao comparar os indicadores de dados de saúde e os anos disponíveis na atualização das Estatísticas de Saúde da OCDE de 2020, a disponibilidade de dados do Brasil está abaixo da média da OCDE para todo o grupo de indicadores e, na maioria dos casos, é menor ou igual ao valor mínimo entre os países-membros da OCDE (vide Tabela 4.3).

Aumentar o número de indicadores de dados de saúde do Brasil nos bancos de dados de saúde da OCDE representa uma oportunidade para permitir mais recomendações de políticas baseadas em evidências e a inclusão do país em estudos multinacionais. Alguns indicadores também podem melhorar sua utilidade com dados mais recentes, como a densidade de enfermeiros, que está disponível apenas até 2012 no banco de dados de Estatísticas de Saúde da OCDE.

Entre o conjunto de indicadores, podemos encontrar temas que abrangem amplamente o funcionamento dos sistemas de saúde. O primeiro grupo na Tabela 4.1 chama-se “Estado de saúde”, o qual inclui indicadores como expectativa de vida, mortalidade materna e infantil, saúde infantil e doenças transmissíveis; Chile, Israel e República Eslovaca foram os membros da OCDE com maior abrangência neste grupo de indicadores com valores em torno de 0,80, enquanto Bélgica, Nova Zelândia e Estados Unidos ficaram entre os mais baixos, com valores em torno de 0,50. No grupo Fatores de risco, temos indicadores sobre o consumo de tabaco, álcool, frutas e hortaliças, além da população com sobrepeso e obesidade; países como Bélgica, França e Nova Zelândia têm a abrangência mais alta, enquanto Chile, Hungria, Eslovênia e República Eslovaca possuem os valores mais baixos.

Em seguida, na categoria “Remuneração”, observamos indicadores sobre a renda anual de clínicos gerais assalariados e autônomos, especialistas e enfermeiros; Chile, Estônia, Islândia, Turquia e Reino Unido têm uma amplitude completa, enquanto Áustria, Dinamarca, França, Coreia, Letônia e Lituânia tiveram um valor de abrangência zero, como o Brasil. Em “Tempo de espera” podemos observar indicadores sobre o número de dias que se passaram entre a avaliação e o tratamento para procedimentos como cirurgias de catarata, próteses de quadril e joelho, e revascularização do miocárdio; com um histórico semelhante mostrando países-membros da OCDE, como Hungria, Itália e Holanda, com total disponibilidade de dados, e alguns outros membros com valor de abrangência zero, como o Brasil. Essa também é a categoria de indicadores com o menor número de entrevistados, apenas 16 dos 38 países-membros da OCDE enviaram informações sobre o tempo de espera.

Para a categoria “Emprego”, são levados em consideração indicadores sobre a prática de médicos, enfermeiros, especialistas, dentistas, farmacêuticos e médicos graduados; e países-membros como Islândia, Israel e Noruega exibem os valores mais altos de abrangência de dados, enquanto Finlândia, México e República Eslovaca estão entre os países com a abrangência de dados mais baixa, embora superior ao Brasil.

Em “Recursos de saúde”, há indicadores do número de hospitais por propriedade, número de leitos e unidades de tecnologia médica; países-membros como Islândia, Israel e Eslovênia possuem dados completos ou quase completos, enquanto Austrália, Noruega e Reino Unido têm os dados menos completos, embora, mais uma vez, esses valores mais baixos ainda sejam maiores do que os do Brasil. Em seguida, para a “Utilização de cuidados de saúde”, os bancos de dados de Estatísticas de Saúde da OCDE gerenciam dados sobre consultas, imunizações, agregados hospitalares, rastreamentos, exames diagnósticos e procedimentos cirúrgicos; Estônia, Lituânia e Eslovênia são os países-membros com a maior abrangência de dados, enquanto Grécia, Japão e Portugal são aqueles com os menores níveis. O Brasil tem dados completos disponíveis sobre imunizações contra difteria, tétano e coqueluche-DTP, sarampo e hepatite B até 2018, embora para a abordagem metodológica desses dados, a figura de abrangência considera apenas dados sobre imunização contra influenza, que não estão disponíveis para o Brasil nos bancos de dados de Estatísticas de Saúde da OCDE.

Para cuidados de longa duração, o grupo contém indicadores selecionados sobre trabalhadores, beneficiários e número de leitos; Israel, Nova Zelândia e Portugal são os países-membros da OCDE com maiores valores de abrangência de dados, enquanto Bélgica, Chile e México são os que apresentam menor disponibilidade de dados e o Brasil também apresenta carência de dados para este grupo de indicadores. Os mercados farmacêuticos incluem um amplo conjunto de indicadores sobre consumos, vendas e mercado de genéricos; de um lado encontramos Estônia, Itália e Portugal que possuem uma disponibilidade quase completa de dados para esses indicadores, enquanto França, Polônia e Estados Unidos estão do lado oposto com grande parte dos indicadores farmacêuticos indisponíveis, a exemplo do Brasil. Por fim, em “Proteção Social”, encontram-se indicadores sobre cobertura de planos de saúde públicos e privados; Austrália, Canadá e Nova Zelândia são os países-membros da OCDE com uma disponibilidade de dados completa sobre esses indicadores, enquanto Japão, Letônia e Lituânia exibem a abrangência de dados mais baixa, embora ainda seja maior do que o valor da abrangência de dados do Brasil.

Certas áreas das Estatísticas de Saúde da OCDE, como uso e recursos de saúde, ambas cruciais para uma avaliação correta dos pontos fortes e fracos dos sistemas nacionais de saúde, não oferecem dados sobre o Brasil, conforme mencionado acima. Ter uma coleta adequada de dados para esses indicadores, e sua subsequente transmissão à OCDE, pode ser um componente essencial para recomendações de políticas baseadas em evidências que se beneficiam das experiências anteriores de países-membros que forneceram um conjunto semelhante de indicadores comparáveis. Isso poderia contribuir para a criação de um sistema de saúde mais resiliente e inclusivo, voltado para pessoas e com uma melhor compreensão da saúde da população brasileira, dos resultados dos cuidados de saúde e dos aspectos financeiros de seu sistema. Veja o Quadro 4.6 para exemplos de como os países-membros da OCDE usam dados para aprimorar a qualidade de seus sistemas de saúde.

Outros bancos de dados das Estatísticas de Saúde da OCDE, como os Resultados da Qualidade da Saúde (HCQO), também não oferecem dados do Brasil. O objetivo do banco de dados HCQO é coletar, analisar e monitorar as variações na qualidade da saúde entre os países ao longo do tempo, em vez de uma avaliação descritiva dos tópicos relacionados à saúde, a qual é realizada nas coletas dos dados mencionados anteriormente. Os questionários sobre internações evitáveis, cuidados agudos, tratamento do câncer, saúde mental, experiência do paciente, prescrição na atenção primária e segurança do paciente são enviados aos países a cada dois anos. Atualmente, o Brasil não possui dados sobre esses indicadores de HCQO, mesmo que os questionários sejam enviados periodicamente aos pontos de contato nacional (embora alguns países que não são membros da OCDE também tenham fornecido números sobre esses indicadores à Organização durante a rodada de coleta de dados de 2020-2021). Esses dados são usados posteriormente em análises e publicações de vários países (vide Figura 4.3).

Ter indicadores no HCQO para o Brasil representaria outra grande melhoria para a comparabilidade de dados com os países-membros da OCDE e os principais parceiros, além de permitir recomendações de políticas mais personalizadas com base nos resultados do sistema de saúde no país.

Em relação ao HCQO, o Secretariado da OCDE, juntamente com os representantes dos países, está sempre explorando novas fontes para analisar a qualidade da saúde. Por exemplo, uma nova geração de indicadores apresentada em 2020 permitirá o benchmarking internacional sobre o desempenho da prestação de cuidados integrados com o desenvolvimento de medidas de qualidade. Esses indicadores fazem parte da coleta de dados de Atenção Integrada (AI) do HCQO e adotam uma perspectiva da trajetória do atendimento ao paciente, usando sistemas de PEP em todo o país e vinculação de informações entre os conjuntos de dados existentes. Os dados vinculados, por exemplo, permitiriam monitorar a progressão da doença de um determinado paciente durante longos episódios de atendimento envolvendo vários serviços e dados provenientes de internação hospitalar, atenção primária à saúde e atendimento especializado ambulatorial, bem como prescrições de medicamentos e registros de óbitos, para acompanhar eventos importantes em um percurso pelo sistema para uma pessoa que tenha tido um primeiro derrame, por exemplo. Isso permitirá mensurar como os cuidados prestados antes e depois da hospitalização evitam reinternações hospitalares ou óbito. A Estrutura da OCDE para Desempenho do Sistema de Saúde está sendo usada com o objetivo de avaliar o desempenho da prestação de cuidados integrados para iniciar o desenvolvimento do indicador HCQO IC, testando 19 novos indicadores em 2021 para pacientes internados com insuficiência cardíaca congestiva – ICC ou acidente vascular cerebral.

Além disso, o HCQO também incluiu uma coleta de dados piloto em 2020 de novos indicadores relacionados aos cuidados ao fim da vida nos países da OCDE. Os indicadores sobre o último ano de vida das pessoas, como local do óbito, internações hospitalares, readmissões hospitalares em 30 dias após a alta, utilização e tempo de permanência em serviços de cuidados paliativos, medicamentos usados, admissão na UTI e visitas ao pronto-socorro nos últimos 30 dias de vida estão sendo explorados para serem coletados em uma base mais regular no futuro.

A OCDE vem coletando dados sobre despesas com saúde baseados em uma definição e estrutura comuns há mais de 20 anos. Os objetivos do “Sistema de Contas da Saúde de 2011” (conhecido por sua sigla em inglês, SHA) (OECD/Eurostat/WHO, 2017[13]) são vários: (i) fornecer uma estrutura dos principais agregados relevantes para as comparações internacionais de gastos em saúde e análise de sistemas de saúde; (ii) fornecer uma ferramenta que possa produzir dados úteis no monitoramento e na análise do sistema de saúde; (iii) definir limites harmonizados de cuidados de saúde internacionalmente para monitorar despesas de consumo.

A estrutura de SHA de 2011 está estruturado em torno de uma abordagem de contabilidade em três eixos na qual as despesas com saúde devem ser categorizadas por meio da dimensão dos esquemas de financiamento (“quem paga pelos serviços?”), dos profissionais de saúde (“quem presta os serviços?”) e das funções de saúde (“que tipos de serviços de saúde são consumidos?”), definindo os gastos com saúde como o consumo final de bens e serviços de saúde.

No momento, mais de 40 países estão enviando anualmente dados de despesas com saúde para o ano t-2 ao longo das três dimensões principais como parte da coleta de dados do Questionário Conjunto de Contas de Saúde (JHAQ).

O Brasil começou a implantar o Sistema de Contas da Saúde com base em sua longa experiência com a Conta-Satélite da Saúde, um exercício que é realizado em intervalos regulares pelo IBGE, juntamente com outras partes interessadas, como a Fundação Oswaldo Cruz-Fiocruz, o Ministério da Saúde e outros (IBGE, 2019[14]). O trabalho para mapear esses resultados na estrutura de SHA internacional está em andamento. Para os anos de 2010-2014, um exercício de mapeamento para as três dimensões de SHA foi bem-sucedido para os gastos do SUS (Ministério da Saúde/Fundação Oswaldo Cruz, 2018[15]). Em 2021, o Brasil participou da coleta de dados do JHAQ, apresentando pela primeira vez dados comparáveis internacionalmente para funções de saúde. Para melhorar a comparabilidade internacional de seus dados de despesas com saúde, o Brasil se tornou um membro ativo do Grupo de Trabalho de Estatísticas de Saúde da OCDE, que fornece uma plataforma para trocar experiências de países com a implementação do Sistema de Contas de Saúde e discutir desafios metodológicos e possibilidades para resolvê-los.

O Brasil deve continuar os esforços de implementação do Sistema de Conta de Saúde e considerar a participação regular na coleta anual da OCDE no tocante aos dados de despesas com saúde para o ano t-2 para todas as três dimensões principais. Isso beneficiaria a análise do sistema de saúde no Brasil, fornecendo uma imagem mais clara de como o país se compara internacionalmente.

O Brasil conseguiu começar a desenvolver seu sistema de informação e infraestrutura de dados de saúde por meio de uma abordagem digital que aumentou a importância e a visibilidade de dados de saúde relevantes para um sistema de saúde mais resiliente e inclusivo. Embora avanços importantes tenham sido alcançados, o Brasil pode se beneficiar bastante de uma estratégia bem definida para um sistema de saúde baseado no conhecimento, aprimorando a Estratégia de Saúde Digital para o Brasil 2020-28 (Ministério da Saúde, 2020[5]). Um roteiro orientado por objetivos claros deve incluir diretrizes como o fortalecimento da governança e a responsabilização (accountability) dos dados por meio da integração, da transparência e da interoperabilidade; melhoria dos procedimentos de coleta de dados com uma equipe mais bem preparada, conectada e equipada; aumento da comparabilidade e da cobertura dos dados por meio da padronização de definições e metodologias; suporte à formulação de políticas baseadas em evidências com dados de saúde vinculados, inclusivos e em tempo real; e aumento da capacidade de benchmarking internacional do Brasil e sua cobertura nacional de dados de saúde por meio da adoção dos padrões da OCDE.

Dada a estrutura política do Brasil como uma República Federativa, um componente essencial para o funcionamento eficiente da governança e responsabilização dos dados é a integração e coordenação nos níveis federal, estadual e municipal. Órgãos como o CONASS e o CONASEMS são fundamentais para o alcance desta parceria tripartite entre os diferentes níveis de governo, e inclui-los na elaboração de um roteiro voltado para esse objetivo facilitaria uma integração perfeita. Os níveis estadual e municipal requerem mecanismos contínuos e institucionalizados de feedback e identificação de informações úteis para o planejamento e a gestão. Nesse aspecto, a regionalização também pode ser decisiva para melhor estruturar a integração tripartite, bem como para melhorar a capacidade de planejamento e gestão do sistema de saúde e de divulgação de dados de saúde.

Além disso, existem silos entre produtores de dados de saúde e usuários finais no Brasil, principalmente nos níveis estadual e municipal. Aprimorar a sinergia entre esses dois grupos aumentaria o impacto e a coleta de dados de saúde, com uma melhor coordenação das necessidades dos usuários de dados de saúde e da gama de dados coletados por seus produtores. Nesse sentido, a expansão das habilidades e da alfabetização em dados dos profissionais de saúde que coletam e relatam dados pode facilitar na redução dessas defasagens. A regionalização também facilitaria a coordenação na coleta e no uso de dados de saúde por meio de um melhor planejamento dessas necessidades entre os diferentes estados e municípios.

A cobertura nacional de dados no Brasil é outro aspecto que poderia ser aprimorado por meio da regionalização, a fim de permitir comparações entre regiões, estados ou municípios do Brasil, bem como ter dados de saúde que reflitam com mais precisão as necessidades e demandas da população brasileira como um todo. Tendo em vista as dificuldades que existem em uma nação de extensão geográfica como o Brasil e as diversas diferenças que o território engloba, esse é um objetivo difícil de alcançar, mas que certamente valeria os esforços empreendidos.

Uma forma eficiente de fortalecer a governança e a responsabilização dos dados é facilitar a identificação dos pacientes para melhorar a vinculação de suas informações nas diferentes áreas do SUS. Nesse sentido, é fundamental continuar a migrar de métodos probabilísticos para identificar e articular dados de pacientes no VinculaSUS – como usar o nome do paciente, local e data de nascimento ou informações pessoais dos pais – para métodos determinísticos, como os aplicados no ConecteSUS, usando identificadores únicos do paciente, como o CPF. O CPF é o número de identificação do contribuinte, unicamente utilizado no âmbito federal, ao contrário de outros números de identificação emitidos no âmbito estadual ou do CNS do SUS que, em alguns casos, identifica o mesmo paciente com vários números em vez de um único identificador. Esse processo deve receber atenção especial e ser potencializado por meio do aprimoramento de esforços relacionados, como a recém-criada RNDS.

A Itália, por exemplo, usa o número de identificação do contribuinte do Codice Fiscal como um identificador único do paciente. Portanto, ele é o número de identificação único impresso no cartão de saúde nacional para identificar os pacientes (vide Quadro 4.7).

Tendo em mente essa integração, a privacidade dos dados pessoais dos pacientes deve ser protegida por uma estrutura jurídica adequada. O Brasil progrediu recentemente nesse aspecto por meio da LGPD, que entrou em vigor em agosto de 2018, e da ANPD, que foi lançada um ano depois. Porém, ambos estão com atrasos em sua introdução, e ainda é necessário desenvolver regulamentos que regem o compartilhamento e o acesso de dados, conforme mencionado na Seção 4.3.

A Lei de Acesso à Informação (LAI), promulgada em 2011 e que permite aos cidadãos solicitarem aos três níveis de governo acesso às informações públicas, é outra forma de garantir a transparência na utilização e na governança dos dados de saúde. Porém, uma lei ou regulamento nacional que visa garantir a proteção da privacidade das informações de saúde e/ou para a proteção e o uso do PEP deva ser promulgada de acordo com a Recomendação do Conselho da OCDE sobre Governança de Dados de Saúde, como tem sido o caso em 21 países-membros até o momento (vide Tabela 4.1).

Outro aspecto em que o Brasil avançou é permitir aos pacientes o acesso aos seus registros pessoais de saúde. Isso começou a ser implementado por meio do sistema ConecteSUS, o qual permite aos pacientes acessar seus registros pessoais de saúde e informações sobre outros quesitos como exames, imunizações e tratamentos por meio do identificador único do CPF. Esses registros pessoais de saúde também podem ser acessados pela equipe médica para que possam fornecer um melhor atendimento. O ConecteSUS também facilita a entrega de medicamentos prescritos aos pacientes nas farmácias que fazem parte da rede “Aqui tem Farmácia Popular” conveniada ao SUS, permitindo um melhor controle dos medicamentos entregues por essas farmácias no âmbito da parceria com o SUS. Veja o Quadro 4.8 sobre a estratégia sueca de eSaúde, a qual permite às pessoas acessarem suas informações pessoais de saúde.

O ConecteSUS deveria ser ampliado para permitir que o maior número possível de pacientes no país acesse esta plataforma. Um componente fundamental desse acesso é o CPF como identificador único do paciente, garantindo que mais cidadãos possam fortalecer e ampliar o acesso ao ConecteSUS e, portanto, a seus prontuários pessoais.

A integração e a interoperabilidade dessas bases de dados em nível nacional, por meio de um identificador único do paciente, também poderiam resultar em indicadores de desempenho disponíveis para os gestores e profissionais de saúde e o público em geral, o que facilitaria uma melhoria progressiva dos sistemas de saúde por meio da identificação transparente dos problemas e gargalos existentes.

O Ministério da Saúde está promovendo a coleta e o uso de dados de saúde por meio do treinamento de pessoal e incentivos monetários fornecidos aos municípios que cumpram com o envio oportuno dos dados de saúde. A continuação e o aprimoramento desse apoio do governo federal são necessários para a inclusão precisa de dados de mais municípios do Brasil, principalmente aqueles localizados em áreas remotas, e a redução das desigualdades. A garantia de acesso à internet, bem como de ferramentas de infraestrutura – como computadores e plataformas de PEP – e treinamento para coleta e a transmissão de dados também devem ser levados em consideração. Veja o Capítulo 4 sobre Tecnologia digital da Estudo da OCDE da Atenção Primária à Saúde do Brasil para uma discussão mais aprofundada sobre esses aspectos.

O fortalecimento da equipe de programadores e especialistas em TI é outro componente fundamental para o aprimoramento dos procedimentos de coleta de dados e da confiabilidade desses indicadores. Para atender às necessidades e às exigências de coleta e tratamento de dados, o Brasil deve contar com pessoal suficientemente qualificado nessas áreas. O DATASUS e outros órgãos que gerenciam os dados de saúde estão em uma posição ideal para aprimorar as habilidades de programação e de TI dos profissionais de saúde, principalmente em regiões que possuam menos acesso a essas tecnologias.

Com base no aprimoramento dos procedimentos de coleta de dados e nas habilidades de programação e de TI dos profissionais de saúde brasileiros, uma coleta e vinculação de dados mais sofisticadas poderiam ser desenvolvidas. Por meio da migração de métodos de vinculação de dados probabilísticos para determinísticos, os quais dependem de números de identificação únicos, o Brasil poderia conectar unidades básicas de saúde e hospitais em um esforço para implementar um repositório nacional de PEP. Veja o Quadro 4.9 para um exemplo da Dinamarca sobre a implementação bem-sucedida do PEP e a consolidação da governança sobre a infraestrutura de dados de saúde e o sistema de informação.

Outro benefício obtido com o aprimoramento dos procedimentos de coleta de dados e tendo mais profissionais de saúde qualificados pode ser a ampliação do trabalho de pesquisas de saúde populacional. Conforme discutido na Seção 4.2, o IBGE trabalha atualmente em diferentes pesquisas de saúde populacional (vide Quadro 4.2) que poderiam se beneficiar desses avanços, tanto em termos de coleta e análise de dados quanto em termos de quantidade de população coberta, contribuindo assim para a redução das desigualdades em saúde entre os brasileiros.

Pesquisas de saúde do IBGE como a PNS e a PeNSE devem ser publicadas na íntegra com periodicidade regular de, no mínimo, cinco anos, permitindo um financiamento e planejamento mais organizados, gerando ao mesmo tempo uma melhora na atualidade e relevância dessas pesquisas e dos indicadores de saúde que elas coletam. Para obter uma representação mais precisa da saúde da criança e do adolescente no Brasil, a pesquisa da PeNSE poderia ser expandida para abranger uma faixa etária mais ampla do que apenas os brasileiros de 13 a 17 anos, ou por meio da criação de uma nova pesquisa nacional de saúde da criança e do adolescente com uma periodicidade mais regular de pelo menos cinco anos. Veja o Quadro 4.10 para exemplos da Austrália e dos Estados Unidos em pesquisas nacionais de saúde de crianças e adolescentes.

O Brasil vem realizando padronização de definições e metodologia de compilação com a Portaria do Ministério da Saúde no 2.073 de 2011, a qual regulamenta o uso da interoperabilidade em saúde e padrões de informação para sistemas de informação em saúde no âmbito do SUS, em todos os níveis de governo, e para os sistemas do setor privado e suplementar de saúde.

Nesse sentido, a terminologia SNOMED-CT está sendo aplicada para codificação de termos clínicos e o mapeamento das terminologias utilizadas no Brasil; o padrão para Troca de Informações em Saúde Suplementar (TISS) para a interoperabilidade com sistemas de saúde suplementar; e o padrão Health Level 7-HL7 para a integração de solicitações e resultados de exames, sendo também compatível com a interoperabilidade semântica entre sistemas. A Portaria no 2.073 de 2011 também contempla a aplicação do PEP padronizado no Brasil por meio da terminologia OpenEHR. Seguir as diretrizes internacionais e as melhores práticas para o PEP pode ser benéfico para o país nesta tarefa, conforme mencionado anteriormente nesta seção e no Quadro 4.9.

A padronização de definições e metodologias de compilação pelo Brasil, realizada por meio da Portaria no 2.073 de 2011, é um avanço importante, embora não tenha sido tão oportuna e eficiente quanto o esperado. Órgãos como o CONASS estão solicitando o aumento da frequência das reuniões que discutem a aplicação dessa portaria, a fim de acelerar a harmonização de padrões e metodologias de dados de saúde. Além disso, incentivos monetários para incentivar uma maior conformidade representariam um poderoso catalisador para melhorar o processo de padronização.

O Brasil deve promover um sistema de infraestrutura de dados de saúde com um melhor timing de dados, vínculos aprimorados de dados e que inclua informações do setor privado. O progresso nessas três áreas produziria dados mais relevantes, atualizados e abrangentes que poderiam servir como base para conceber políticas baseadas em evidências. Centros de pesquisa e universidades também se beneficiariam dessas informações inovadoras e avançadas. Veja o Quadro 4.11 para exemplos de como Portugal vem utilizando dados para otimizar o seu sistema de saúde.

Ter dados em tempo real é uma ferramenta necessária para avaliar o impacto contínuo das políticas de saúde, bem como para tomar decisões mais embasadas e precisas. Isso se verifica não apenas em cenários excepcionais, como pandemias e outras crises de saúde, mas também em momentos de menor incerteza.

É necessário incluir locais remotos, comunidades indígenas e localidades com acesso limitado às TICs nos processos de coleta de dados de saúde no Brasil. Fomentar a inclusão das partes mais excluídas do país nesses quesitos pode ajudar a prevenir o aumento das defasagens de desigualdade entre estados e municípios que possuam diferentes níveis de recursos financeiros, desenvolvimento e número de habitantes.

Por fim, a inclusão do setor privado também seria benéfica para obter uma representação mais completa do sistema de saúde brasileiro. Parcerias entre a ANS e o SUS sob a égide do Ministério da Saúde, bem como a inclusão dos dados da ANS na RNDS do ConecteSUS podem ser favoráveis para todas as partes interessadas e render dados mais relevantes para formuladores de políticas, pesquisadores e analistas.

O Brasil está convidado a adotar os padrões da OCDE para o uso nacional e internacional de dados e estatísticas, participando também das diferentes estatísticas de saúde e de reuniões de especialistas nas quais as melhores práticas são discutidas, além dos diferentes processos de coleta de dados para os países-membros da OCDE e principais parceiros. Essa participação mais próxima também pode permitir ao Brasil aprimorar sua coleta, disponibilidade e comparabilidade de dados, que podem ser usados, por sua vez, em estudos e análises multinacionais realizados pela OCDE e outros.

A adesão do Brasil à Recomendação do Conselho da OCDE sobre Governança de Dados de Saúde também é incentivada. Essa recomendação promove a implementação de uma estrutura nacional de governança de dados de saúde e estabelece 12 princípios de alto nível para o desenvolvimento, conteúdo e avaliação de estruturas nacionais em áreas como privacidade do paciente, transparência, monitoramento, pesquisa independente e treinamento e desenvolvimento de habilidades, entre outros (OECD, 2019[12]). Veja o Quadro 4.4 para uma visão detalhada da Recomendação do Conselho da OCDE sobre Governança de Dados de Saúde e a Tabela 4.1 para uma lista de países que implementaram ou estão implementando uma estrutura nacional de governança de dados de saúde. Este é um aspecto principal da adesão à Recomendação do Conselho da OCDE, bem como a outros elementos que também fazem parte da adesão.

Espera-se que o Brasil participe de diferentes reuniões de especialistas em dados de saúde, nas quais as melhores práticas são discutidas, e de processos de coleta de dados relacionados, como HCQO, Estatísticas de Saúde, economia da saúde pública e dispositivos médicos e farmacêuticos.

O país também poderia participar de grupos de especialistas ad hoc criados recentemente, como de desempenho em saúde mental, atenção integrada, atenção ao fim da vida e Pesquisas de Indicadores Relatados por Pacientes-PaRIS, além de qualquer outro que possa ser criado no futuro.

O Sistema Brasileiro de Infraestrutura e Informação de Dados em Saúde, altamente dependente do DATASUS, iniciou recentemente uma ambiciosa Estratégia de Saúde Digital para o período 2020-28 com base no RNDS, e ainda que o Ministério da Saúde tenha o papel de liderança na geração de dados e estatísticas de saúde, outras entidades públicas também participam no processamento de dados e estatísticas de saúde. Órgãos como a ANS, ANVISA e o IBGE são atores essenciais para a produção de dados de saúde no Brasil, o que pode ser ainda mais impactante quando novas vinculações de dados forem realizadas. No entanto, uma das questões mais restritivas é a falta de acesso à internet e aos recursos digitais de saúde, como PEP, em algumas partes do país, principalmente em comunidades remotas e indígenas.

Com base nos resultados da Pesquisa de Desenvolvimento, Uso e Governança de Dados de Saúde da OCDE 2019-2020, o Brasil se compara favoravelmente a outros países em termos de desenvolvimento e uso de informações em conjuntos de dados de saúde nacionais relevantes, embora seja ainda possível fazer melhorias na governança desses conjuntos de dados para que o país se aproxime da pontuação média dos membros da OCDE. Além disso, mesmo que o Brasil tenha conduzido várias vinculações de conjuntos de dados, é necessário um esforço maior para identificar pacientes de forma exclusiva.

Outro aspecto a ser aprimorado pelo Brasil é a disponibilidade e a divulgação de dados de saúde, uma vez que existem defasagens substanciais entre o país e os membros da OCDE. Essas lacunas existem não apenas para os principais indicadores das Estatísticas de Saúde da OCDE, para os quais o Brasil coletou e relatou dados somente para dois dos dez grupos de indicadores, mas também para indicadores de resultados de qualidade de saúde e outras pesquisas e questionários nessa área. O Brasil está convidado a participar das próximas rodadas de coleta de dados para projetos como o HCQO e os indicadores de Atenção Integrada.

O Brasil pode fortalecer a governança e a responsabilização dos dados através da integração de diferentes níveis de governo e o do uso de um identificador único do paciente; e também aperfeiçoando os procedimentos de coleta de dados e de confiabilidade no país por meio do treinamento de pessoal, fornecendo-lhes os equipamentos de TI e conectividade necessários. O país também pode aumentar a comparabilidade e a cobertura por meio da expansão e da aplicação da padronização de dados, além de dar suporte à tomada de decisão baseada em evidências e a pesquisa em saúde de impacto com dados de saúde vinculados, inclusivos e em tempo real. Por fim, o Brasil pode promover sua capacidade de benchmarking internacional e cobertura nacional de dados de saúde por meio da adoção dos padrões da OCDE.

Referências

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