5. Revisão do estoque regulatório no Brasil

Nos últimos anos, o Brasil atualizou seu marco regulatório com a finalidade de atingir objetivos de simplificação administrativa, digitalização e revisão do estoque regulatório por meio da avaliação ex post. A seção apresentará um resumo do marco regulatório que sustenta a política nacional de simplificação. Para ver uma análise quantitativa das medidas tomadas pelo Brasil para resolver o problema da carga administrativa para empresas iniciantes e da simplificação e avaliação das atividades de regulação, consulte o capítulo 1.

A Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), publicada em setembro de 2019, protege a atividade econômica no Brasil e define o papel do Estado como um agente regulador. Essa lei constitui a base da política regulatória no país, incluindo a estratégia de simplificação administrativa e a análise ex ante dos atos normativos. O art. 5º da lei institui a obrigação de realizar uma análise de impacto regulatório (AIR) para possíveis reformas e propostas de regulação elaboradas por ministérios e agências da administração pública federal. A Lei nº 13.874/2019 também indica que sua regulamentação descreverá a metodologia e as exigências para a implementação da AIR. Essa regulamentação veio por meio da publicação do Decreto nº 10.411 em junho de 2020, que regulamenta a implementação da AIR no Brasil. Além disso, o art. 13 estabelece que todas as entidades públicas implementarão uma avaliação de resultado regulatório (ARR) com vistas a proceder à verificação dos efeitos obtidos pelos atos normativos em vigor, levando em conta os objetivos originalmente definidos, assim como qualquer outro impacto observado nos mercados e na sociedade. A abrangência da ARR inclui todas as entidades da administração pública federal e órgãos autônomos com autoridade para elaborar atos normativos sujeitos à AIR.

A lei (art. 3) também estabelece os direitos de liberdade econômica e solicita que o governo federal classifique e publique atividades econômicas de baixo risco. Essa classificação deve ser utilizada quando os governos subnacionais não possuem regulamentação específica com a classificação de riscos associados às atividades econômicas. Além disso, a lei também estabelece que, caso o governo federal ainda não tenha publicado a classificação de risco, os governos subnacionais devem aplicar a resolução do Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim).

O art. 10 da Lei de Liberdade Econômica também altera a Lei nº 12.682 de julho de 2012, permitindo o armazenamento e o uso de meios eletrônicos para gerenciar documentos públicos e privados quando cidadãos ou empresas interagem com entidades públicas. De acordo com a reforma, os documentos eletrônicos terão os mesmos efeitos e validade legal que os documentos em papel. Consequentemente, a Secretaria de Governo Digital da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital (SDDG) deve estabelecer os documentos cuja reprodução conterá código de autenticação verificável.

A Lei de Liberdade Econômica também altera a Lei nº 8.934 de 1994. A lei estabelece que o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da SDDG manterá o cadastro nacional com as informações originárias do cadastro estadual de empresas. Além disso, a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim) informará os órgãos públicos sobre o registro dos atos constitutivos e de suas alterações e extinções.

A Lei nº 11.598 de novembro de 2007 estabeleceu diretrizes e procedimentos para a simplificação e integração do processo de registro e legalização de empresários e de pessoas jurídicas. Além disso, criou a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e Legalização de Empresas e Negócios (Redesim). A lei estabeleceu as normas de participação na rede, as responsabilidades e as diretrizes ou princípios gerais de funcionamento.

A Redesim é uma rede com o objetivo de propor ações para integrar o processo de registro e legalização de empresas e pessoas jurídicas. De acordo com a lei, o objetivo da Redesim é coordenar esforços entre os diferentes níveis de governo, evitando sobreposições e duplicidade de informações e documentos exigidos pelas entidades públicas. A lei que cria a Redesim indica que um comitê de gestão administrará a rede e o presidente será um representante do Ministério da Economia.

A Lei nº 11.598 ainda está em vigor, mas algumas alterações foram feitas desde sua publicação em 2007. A Lei nº 14.195 de agosto de 2021 alterou alguns elementos da lei que criou a Redesim. Ela se concentra na facilitação para abertura de empresas, na proteção de acionistas minoritários e na facilitação do comércio exterior. Por exemplo:

  • Ela solicita um regulamento detalhando a composição, estrutura e funcionamento do comitê de gestão.

  • Ela incorpora produtos artesanais alimentícios e obras de construção civil à rede.

  • A lei indica que todas as entidades públicas envolvidas no processo de registro e legalização de empresas deverão manter à disposição (em papel ou em formato eletrônico) ficha cadastral com informações sobre as empresas e detalhes de seus processos de registro.

  • A capacidade do comitê de instituir iniciativas de integração entre União, Distrito Federal, estados e municípios, que visem à facilitação do ambiente de negócios.

  • O envolvimento do comitê na classificação de risco das atividades econômicas.

A fim de promover a eficiência no processo de licenciamento, em dezembro de 2019, o Brasil publicou o Decreto nº 10.178, que estabeleceu critérios e os procedimentos a serem observados pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional para a classificação do nível de risco de atividade econômica e para fixar o prazo para aprovação tácita do ato público de liberação. Esse decreto é complementar à Lei nº 11.598, na medida em que o art. 19 fornece um enquadramento quando uma entidade pública não tem uma classificação de risco. Em especial, essa lei indica que tal entidade pode utilizar a classificação de risco feita pelo comitê de gestão da Redesim.

O Programa de Digitalização de Serviços Públicos (DSP) é uma iniciativa tomada pelo governo federal do Brasil para reduzir a carga administrativa por meio do uso de recursos digitais. Um dos pontos altos desse programa foi a publicação da Lei nº 12.682 em junho de 2012, que dispõe sobre a elaboração e o arquivamento de documentos em meios eletromagnéticos. Essa lei regulamenta a digitalização, o armazenamento eletrônico, assim como a reprodução de documentos públicos e privados. Um elemento importante da lei é que ela exige que entidades públicas e privadas que utilizam procedimentos de armazenamento de documentos em meio eletrônico adotem um sistema de indexação permitindo sua precisa localização e posterior conferência. Essa lei permite a interação digital entre instituições públicas, cidadãos e empresas, garantindo que a utilização de documentos eletrônicos públicos e privados seja absolutamente legal. Em especial, essa lei fornece os elementos básicos para que o Brasil desenvolva um ambiente digital.

Posteriormente, a Lei de Liberdade Econômica de 2019 atualizou alguns dos artigos mais relevantes da Lei nº 12.682/2012 para garantir que os documentos digitais fossem legais. Em especial, o art. 10 da Lei de Liberdade Econômica refere-se ao uso de documentos digitais nas comunicações com órgãos públicos. Uma medida importante é que os documentos digitais e sua reprodução têm a mesma validade que os documentos impressos, se os primeiros contiverem os mecanismos de verificação de autenticidade e integridade de acordo com a lei.

A Redesim é a estratégia nacional brasileira de padronização de procedimentos para a abertura de empresas e o acompanhamento de sua constituição legal. Informações gerais e estatísticas sobre o desempenho do programa podem ser encontradas em seu site oficial (Government of Brazil, n.d.[1]) (ver Quadro 5.1 com um resumo das estatísticas fornecidas pelo programa). A Redesim é uma das iniciativas mais importantes do governo brasileiro para melhorar a regulação e simplificar a abertura de empresas, na medida em que envolve tanto o governo federal quanto os governos subnacionais. Na prática, a Redesim coordena as instituições federais e subnacionais com o objetivo de simplificar todas as formalidades envolvidas na abertura de uma empresa, identificando e promovendo um caminho eficiente.

Nesse contexto, a coordenação das autoridades nacionais e subnacionais é o ponto de partida, já que a Redesim é uma rede de instituições locais e federais. O envolvimento de instituições nacionais é obrigatório e, como já mencionado, é regido pela lei que cria a Redesim (Lei nº 11.598/2007). Por outro lado, a participação dos governos subnacionais e instituições locais é voluntária, mas a formalização é feita por meio de um acordo (a participação de entidades locais depende de suas atribuições estarem de acordo com os objetivos da Redesim) (Government of Brazil, n.d.[2]).

Depois que um governo subnacional ingressa na rede, a Redesim incentiva as instituições participantes a publicar uma ficha cadastral, de forma gratuita, com todas as informações, diretrizes e instrumentos relacionados ao processo de registro e legalização de uma empresa. Para que o processo de licenciamento e registro seja claro e seguro, a ficha deve estar disponível tanto em papel quanto em formato digital.

Por outro lado, ao padronizar e simplificar o processo de abertura de empresas, o comitê de gestão da Redesim incentiva a classificação de atividades de baixo risco. Além disso, a lei facilita as atividades de baixo risco. De acordo com a lei, para grau de risco considerado médio, as licenças serão emitidas automaticamente, sem análise humana. Do mesmo modo, os requisitos de segurança sanitária, controle ambiental e prevenção contra incêndios deverão ser simplificados, racionalizados e uniformizados pelos órgãos e entidades que componham a Redesim, no âmbito das respectivas competências. A lei que cria a Redesim também indica que qualquer vistoria relevante necessária para emitir licenças e autorizações pode ser realizada após o início da operação do estabelecimento. A única exceção a essa disposição é quando a lei federal exige a prévia anuência da administração tributária para atividades específicas.

O Ministério da Economia é a entidade responsável pela Redesim, em especial, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria de Governo Digital (SGD). O Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração é o órgão de defesa e supervisão da Redesim. Entretanto, os poderes do departamento para promover e incentivar governos subnacionais a aderir ao programa podem ser limitados.

O estudo descobriu por merio de alguns governos subnacionais que as restrições financeiras podem acabar limitando sua participação na Redesim. Isso porque os governos subnacionais precisam arcar com os custos, já que não existem recursos federais disponíveis.

Além disso, a SEAE declarou que a Redesim não tem objetivos específicos para acompanhar o progresso do programa devido a desafios na implementação do projeto em nível subnacional. É fato que o federalismo aumenta os desafios para promover políticas públicas, uma vez que os governos subnacionais são autônomos.

Em resumo, a lei que cria a Redesim fornece diretrizes para facilitar o licenciamento, o registro, a alteração e a baixa de empresas por meio da elaboração de normas para simplificar o ambiente de negócios. Esses objetivos são oportunos e trouxeram ganhos significativos, mas é necessário integrar essa estratégia com uma política única de governo de melhoria da regulação, na qual a definição de objetivos específicos de curto, médio e longo prazo será fundamental.

A Digitalização de Serviços Públicos (DSP) é uma iniciativa do governo federal para desenvolver os serviços públicos usando meios digitais. A DSP é parte da Estratégia de Governo Digital 2020-2022 lançada pelo Decreto nº 10.332 de 2020. O programa está a cargo da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital (SDDG). A SDDG é uma unidade administrativa do Ministério da Economia que realiza os esforços para a digitalização dos serviços públicos. Além disso, a SDDG mensura a redução da carga administrativa decorrente da implementação de soluções digitais.

A iniciativa DSP reúne pontos de contato em agências do governo em um único site, permitindo aos cidadãos se comunicarem com todas as entidades públicas em nível federal por meio de um único ponto de acesso: https://www.gov.br (Government of Brazil, n.d.[2]). Em 2021, o governo brasileiro indicou que existiam 88 milhões de usuários registrados no site. Em comparação, em janeiro de 2019, existiam 1,7 milhões de usuários. Esse crescimento mostra o sucesso do programa DSP e os benefícios percebidos pelos cidadãos.

Atualmente, o governo brasileiro oferece 4.137 serviços públicos de 193 entidades da administração pública. Segundo a SEAE, em 2021, o programa DSP concluiu a digitalização de 2.670 desses serviços (64,5%) e a digitalização parcial de 640 (15,5%). Estes últimos ainda exigem que algumas etapas ou partes sejam feitas presencialmente, tais como a apresentação de documentos. Isso significa que 827 (20%) serviços públicos ainda não estão digitalizados (esses processos podem ser iniciados no sítio eletrônico para a verificação de informações e exigências, mas precisam ser feitos presencialmente nos órgãos públicos). O objetivo do governo é digitalizar completamente os serviços públicos em nível federal até 2022.

De acordo com a SEAE, a digitalização dos serviços públicos representa uma economia de R$ 2 000 milhões por ano por meio da eliminação de tarefas administrativas. Desse montante, R$ 1 500 milhões são economias para os cidadãos e R$ 500 milhões para o governo. Os benefícios para os cidadãos e para o governo são bem-vindos. Entretanto, a equipe do estudo não conseguiu identificar evidências do uso sistemático de medidas de simplificação antes da digitalização dos serviços públicos.

A simplificação na prestação de serviços públicos como parte de uma estratégia de digitalização pode levar a uma maior economia para os cidadãos e para as empresas. A eliminação das exigências de dados, a reengenharia do processo, a eliminação de etapas nos processos internos e externos, a aplicação do princípio da proporcionalidade, o uso da linguagem do cidadão e uma análise da melhoria em grupos de serviços e formalidades a partir de uma abordagem de eventos da vida1 (OECD, 2020[3]), são ações de simplificação administrativa que podem contribuir ainda mais para a redução do ônus para cidadãos e empresas, além da digitalização.

O fato de a equipe do estudo não ter encontrado nenhuma evidência da aplicação de medidas de simplificação antes da digitalização, não significa que algumas entidades não tenham feito algo nesse sentido. Entretanto, essa lacuna certamente mostra a necessidade de ter uma estratégia única de governo articulada de melhoria da regulação que reúna todas as iniciativas relevantes, com o objetivo de garantir a aplicação sistemática de critérios horizontais para buscar a qualidade regulatória.

Em 2019, o Presidente Jair Bolsonaro se comprometeu a trabalhar dentro de uma estratégia para aumentar significativamente a competitividade do Brasil. A estratégia engloba várias iniciativas para modernizar o ambiente de negócios e atrair investimento estrangeiro direto como meio de reconstruir a economia após a crise sanitária. Um dos fatores que motivaram essa estratégia foi o desempenho do Brasil no relatório Doing Business do Banco Mundial. Consequentemente, o Brasil começou a trabalhar em intervenções de políticas públicas, incluindo várias reformas de normas que foram identificadas como onerosas (ver Quadro 5.2). Essas iniciativas trouxeram benefícios para os cidadãos, incluindo economia de tempo e dinheiro na abertura e no funcionamento de empresas.

O Decreto nº 10.139 fornece orientações para a revisão e a consolidação de atos normativos inferiores a decreto editados por entidades da administração pública federal direta e autárquica. Para o atual estoque regulatório, os atos no âmbito desse decreto incluem portarias, resoluções, instruções normativas, ofícios, avisos, orientações normativas, diretrizes, recomendações, despachos de aprovação, entre outros. Para futuras regulações, os atos normativos serão classificados como portarias, resoluções ou instruções normativas. Esses “esforços para fazer um balanço da complexidade da atual regulação levaram a uma revisão de mais de 45.700 peças legislativas, das quais 22.500 foram revogadas até setembro de 2021”.2.

O Decreto nº 10.139 não se aplica a atos normativos cujo destinatário (pessoa natural ou jurídica) esteja nominalmente identificado ou a recomendações ou diretrizes cujo não atendimento não implique aos destinatários consequências jurídicas (efetivas ou potenciais).

As entidades públicas no Brasil utilizam várias ferramentas de simplificação administrativa para tornar as formalidades administrativas menos onerosas. O Ministério da Economia é o principal promotor dessas ferramentas e várias instituições seguem práticas regulatórias com diferentes níveis de implementação. Entretanto, não há evidência de uma política integrada de simplificação administrativa que siga uma abordagem única. As ferramentas de simplificação incluem:

  • Mensuração da carga administrativa

  • Eliminação de normas e exigências obsoletas

  • Uso de sites para eventos da vida.

  • Digitalização das formalidades

Em março de 2018, o Brasil publicou o Decreto nº 9.319 contendo a Estratégia Brasileira para a Transformação Digital (Government of Brazil, 2008[4]). A estratégia, seus eixos temáticos e a estrutura de governança compõem o Sistema Nacional para a Transformação Digital (SinDigital). O objetivo da E-Digital é aproveitar as tecnologias digitais para promover o desenvolvimento econômico e social sustentável e inclusivo. Um de seus principais objetivos é a transformação digital, tornando o governo federal mais acessível à população e mais eficiente em prover serviços ao cidadão (ver Quadro 5.3Quadro 5.3). A estratégia de DSP apresentada acima está inclusa nesse objetivo.

Em dezembro de 2020, o Brasil publicou o Guia de Desregulamentação: “Cutting Red Tape”, que é uma diretriz com conceitos, descrição de princípios e práticas políticas de simplificação e desregulamentação. O guia apresenta uma série de conceitos que abrangem barreiras para os negócios, além de insights sobre desregulamentação, incluindo a simplificação. Assim como a E-Digital, esse Guia é um documento de política pública que demonstra o interesse do governo brasileiro em simplificar as formalidades. Embora esse guia represente um avanço positivo, a equipe do estudo não conseguiu encontrar evidências de que outras iniciativas de simplificação tenham utilizado o documento para impulsionar seus resultados, como no caso da Redesim e da digitalização das formalidades.

O governo brasileiro promove outras ferramentas e práticas de simplificação que são relevantes na redução da carga administrativa para cidadãos e empresas. O sítio eletrônico www.gov.br reúne a maior parte do estoque de formalidades em nível federal, incluindo vários elementos da metodologia evento da vida, tais como o uso da linguagem do cidadão e a organização das formalidades em categorias convenientes.

A adoção de práticas de simplificação varia de uma entidade pública para outra. Entretanto, evidências isoladas sugerem que as agências reguladoras estão entre as instituições mais avançadas na adoção de tais práticas. Um exemplo disso é o trabalho da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Em 2018, a ANVISA lançou o Guia para a mensuração da carga administrativa da regulamentação em Vigilância Sanitária (ANVISA, 2019[5]). Esse documento constitui uma diretriz para mensurar a carga administrativa da regulação. Esse guia apoiou um programa piloto para resolver o problema da carga administrativa, que levou a economias significativas para as empresas que vendem produtos sujeitos à Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 185 de outubro de 2006 (ver Quadro 5.4). O primeiro exercício de mensuração da carga administrativa levou a uma simplificação administrativa de R$ 750.000 por ano. A metodologia empregada pela ANVISA para mensurar a carga administrativa foi o Modelo de Custo Padrão.

Em outra iniciativa, em 2017, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) lançou um projeto para reduzir a carga administrativa com foco em:

  • Aumentar a eficiência regulatória, considerando possíveis riscos para os investidores.

  • Aumentar o bem-estar econômico, impulsionado pela concorrência no mercado.

O projeto teve duas fases. A primeira, intitulada Projeto Piloto de Eliminação de Redundâncias, teve como foco verificar a possibilidade de mudanças regulatórias de menor complexidade a fim de resolver redundâncias e sobreposições. A CVM convidou 24 instituições a colaborar, incluindo associações de autorregulação setorial, a Bolsa de Valores B3, o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), a agência de classificação Moody's, o CFA, entre outras. Consequentemente, 16 instrumentos foram reformados e cinco foram revogados. Em dezembro de 2018, essa fase foi concluída.

A segunda fase, nomeada Carteira de Projetos e Priorização de Ações, aproveitou apontamentos recebidos na primeira fase e abordou elementos que não se enquadraram nos critérios de elegibilidade estabelecidos na primeira fase. Para 2019, o projeto elaborou uma agenda regulatória e abriu canais de comunicação digital com os participantes do mercado e o público a fim de receber sugestões destinadas a reduzir o custo da conformidade regulatória.

Outra conquista da CVM sobre simplificação administrativa foi a aplicação do Decreto Presidencial nº 10.139 publicado em novembro de 2019. O decreto determinou a obrigação de revisar e consolidar atos normativos inferiores a decreto. A CVM realizou uma importante revisão e consolidação de seus atos normativos, incluindo:

  • Fusão de dispositivos repetitivos ou de valor normativo idêntico.

  • Atualização de termos e de linguagem antiquados.

  • Eliminação de ambiguidades

  • Homogeneização terminológica de textos

  • Supressão dos dispositivos desatualizados

Consequentemente, em 2020, a CVM revogou 210 instrumentos regulatórios, incluindo 60 instruções, 87 deliberações e 63 notas explicativas.

As iniciativas da ANVISA e da CVM estão na direção certa e poderiam ser adotadas de maneira mais sistemática pelo Brasil. Entretanto, é claro que essas atividades podem demandar muitos recursos ou ter dificuldade para ganhar escala. No curto prazo, o Brasil poderia aproveitar os conhecimentos e experiências de cidadãos, empresas e partes interessadas para identificar os regulamentos ou procedimentos que poderiam ser otimizados, simplificados ou eliminados. O Quadro 5.5 mostra a experiência da União Europeia, que trabalha ativamente junto com as partes interessadas para reduzir a carga administrativa.

A Recomendação da OCDE de 2012 sobre Política Regulatória e Governança convida os países a “realizar revisões sistemáticas programadas do estoque regulatório em relação a objetivos de política claramente definidos, incluindo a análise de custos e benefícios, para garantir que os atos normativos permaneçam atualizados, consistentes, economicamente viáveis e com seus custos justificados, e atinjam os objetivos de política pretendidos”. Além disso, os Princípios de Melhores Práticas da OCDE sobre Revisão do Estoque Regulatório (OECD, 2020[9]) se baseiam na Recomendação de 2012 (OECD, 2012[10]) e ajudam a elucidar aspectos importantes da avaliação ex post (ver Quadro 5.6).

A implementação da avaliação ex post dos atos normativos difere de um país membro para outro na OCDE (ver Figura 5.1 e Figura 5.2). A exigência de revisão de leis e atos normativos foi formalizada por alguns membros da OCDE utilizando cláusulas de revisão ou de extinção (ambas são importantes para garantir que o fluxo de normas esteja sujeito a algum tipo de revisão e para determinar se elas continuam adequadas ao longo do tempo). Entretanto, apenas um quarto dos membros da OCDE possui exigências sistemáticas para realizar avaliações ex post e para vários países as avaliações ex post estão próximas de uma nova área de gestão regulatória (OECD, 2021[11]). Exemplos relevantes de como garantir a avaliação ex post de atos normativos são apresentados no Quadro 5.7.

Em 2020, cerca de 60% dos membros da OCDE forneceram orientações sobre a realização de avaliações ex post para as equipes que realizam a avaliação. Além disso, o relatório Regulatory Policy Outlook 2021 ressalta a importância de contar com metodologias para garantir que os efeitos observados sobre os atos normativos possam ser avaliados em relação aos que foram originalmente planejados. Do mesmo modo, o documento destaca a relevância dos processos de coleta de dados para fins de monitoramento e avaliação. Em especial, a Austrália adotou revisões pós-implementação (RPI) como uma de suas ferramentas para avaliar a eficácia, validade e relevância dos atos normativos em vigor (Quadro 5.8). Essas revisões seguem uma abordagem semelhante a das análises ex ante do país, que utilizam perguntas norteadoras que fornecem uma estrutura para a análise do conteúdo da regulação.

No Brasil, em 2018, a Casa Civil da Presidência da República publicou o Guia prático de análise ex post. Esse documento seguiu as diretrizes estabelecidas no Decreto nº 9.203/2017, que dispôs sobre a política de governança da administração pública federal, em especial “monitorar o desempenho e avaliar a concepção, a implementação e os resultados das políticas e das ações prioritárias para assegurar que as diretrizes estratégicas sejam observadas” (Casa Civil da Presidência da República, 2018[13]). O documento fornece instruções sobre:

  • O papel da avaliação de políticas públicas no governo federal

  • Influência das avaliações no orçamento

  • Avaliações executiva e específicas

  • Avaliações de desenho, implementação, governança, resultados e impacto

  • Avaliação econômica ou retorno econômico e social

  • Análise de eficiência

As diretrizes ofereceram um marco geral sobre avaliações de políticas públicas e, em 2020, o Brasil deu um passo adiante na avaliação ex post de atos normativos com a publicação do Decreto nº 10.411/2020. Esse decreto indica que todas as entidades públicas no âmbito do governo federal realizarão uma avaliação do resultado regulatório (ARR) para avaliar os objetivos originais dos atos normativos e outros efeitos observados.

Os instrumentos sujeitos a uma avaliação ex post incluem, entre outros, os atos normativos:

  • Com ampla repercussão na economia.

  • Com problemas decorrentes da aplicação do referido ato normativo.

  • Com impacto significativo em organizações ou grupos específicos.

  • Com cinco anos de vigência.

A implementação do Decreto nº 10.411/2020 terá início em 2022. O decreto indica que, durante o primeiro ano de cada mandato presidencial, todas as entidades públicas no âmbito do governo federal escolherão e publicarão em seus respectivos sites pelo menos um ato normativo que integrará a agenda de ARR. O ato normativo proposto na agenda deve ser de interesse para os agentes econômicos ou usuários dos serviços prestados pela entidade. Por fim, as instituições devem publicar a avaliação antes do final de cada mandato presidencial. Para o atual governo, a agenda deverá ser publicada até 14 de outubro de 2022 e a avaliação deverá ser realizada até 31 de dezembro de 2022.

Para apoiar a adoção da avaliação do resultado regulatório, em 2022, o Brasil publicou o Guia Orientativo para Elaboração de Avaliação de Resultado Regulatório - ARR. A elaboração do documento baseou-se nas contribuições das partes interessadas, uma vez que foi submetido à consulta pública durante 45 dias no portal Participa +Brasil. O guia fornece uma visão geral de elementos importantes, como monitoramento, planejamento e relatório da ARR. Além disso, o documento descreve de forma sucinta as ações necessárias que os ministérios e entidades podem implementar para ajudar a incorporar a ARR no processo de elaboração de normas (Ministério da Economia, 2022[14]).

A adoção das avaliações ex post de atos normativos ainda está em um estágio inicial no Brasil. Por esse motivo, a implementação em todas as entidades não está padronizada. Evidências isoladas sugerem que algumas entidades reguladoras estão entre as mais avançadas na implementação dessa prática. Por exemplo, no âmbito da ANVISA, a Portaria nº 162/2021 estabelece as regras para a aplicação da ARR, de acordo com as disposições do Decreto nº 10.411/2020. Além disso, ao final de 2020, a fim de estruturar e implementar o processo de Monitoramento e Avaliação de Resultado Regulatório (M&ARR), a ANVISA publicou as Diretrizes para a implementação de Monitoramento e Avaliação de Resultado Regulatório (M&ARR) (ANVISA, 2020[6]). Essas diretrizes fornecem um marco geral para a ARR dentro da ANVISA, Brasil e outros países. Além disso, o documento oferece conceitos e informações úteis para a implementação da ARR como parte do ciclo de políticas regulatórias. Com base nesse documento, a ANVISA elaborou uma série de materiais de apoio para a realização do M&ARR. Por exemplo, foram elaboradas 10 Notas de Orientação adaptadas como módulos para um curso virtual sobre M&ARR (ANVISA, 2020[6]).

Um segundo elemento na avaliação da regulação brasileira é a criação do Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP). O CMAP é um órgão colegiado composto pelo Ministério da Economia, pela Casa Civil da Presidência da República e pela Controladoria Geral da União (CGU). O CMAP está encarregado de escolher as políticas públicas submetidas à avaliação, de acordo com critérios específicos. A competência do CMAP inclui políticas públicas financiadas por gastos públicos e subsídios. O trabalho do CMAP é importante para as práticas de avaliação ex post, pois representa uma experiência importante para a avaliação de instrumentos de política pública mais amplos (tais como atos normativos).

Referências

[6] ANVISA (2020), Monitoramento e Avaliação de Resultado Regulatório (M&ARR) Diretrizes para a implementação de M&ARR na Anvisa, ANVISA, https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/regulamentacao/monitoramento-e-avaliacao-de-resultado-regulatorio/diretrizes-para-implementacao-de-m-arr-na-anvisa-com-logo.pdf (accessed on 3 February 2022).

[5] ANVISA (2019), Guia para a mensuração da carga administrativa da regulamentação em Vigilância Sanitária, ANVISA, https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/regulamentacao/carga-administrativa/arquivos/guia-para-a-mensuracao-da-carga-administrativa-em-vigilancia-sanitaria.pdf (accessed on 1 February 2022).

[13] Casa Civil da Presidência da República (2018), Avaliação de Políticas Públicas. Guia prático de análise ex post, Casa Civil, Brasilia, https://www.gov.br/casacivil/pt-br/centrais-de-conteudo/downloads/guiaexpost.pdf/view (accessed on 3 February 2022).

[8] European Commission (2022), Fit for Future Platform (F4F), https://ec.europa.eu/info/law/law-making-process/evaluating-and-improving-existing-laws/refit-making-eu-law-simpler-less-costly-and-future-proof/fit-future-platform-f4f_en (accessed on 29 April 2022).

[7] European Commission (2020), REFIT – making EU law simpler, less costly and future proof, https://ec.europa.eu/info/law/law-making-process/evaluating-and-improving-existing-laws/refit-making-eu-law-simpler-less-costly-and-future-proof_en (accessed on 29 April 2022).

[4] Government of Brazil (2008), Estratégia Brasileira para a Transformação Digital. E-Digital, https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/transformacaodigital/ArquivosEstrategiaDigital/estrategiadigital.pdf (accessed on 31 January 2022).

[2] Government of Brazil (n.d.), Gov.br, https://www.gov.br/ (accessed on 27 January 2022).

[1] Government of Brazil (n.d.), Redesim, https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/redesim (accessed on 26 January 2022).

[14] Ministério da Economia (2022), Guia Orientativo para Elaboração de Avaliação de Resultado Regulatório-ARR, https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/air/guias-e-documentos/GuiaARRverso5.pdf (accessed on 16 March 2022).

[12] OBPR (2020), Post-implementation Reviews What is the purpose of a post-implementation review?, https://obpr.pmc.gov.au/published-impact-analyses-and-reports (accessed on 24 May 2022).

[11] OECD (2021), OECD Regulatory Policy Outlook 2021, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/38b0fdb1-en.

[3] OECD (2020), One-Stop Shops for Citizens and Business, OECD Best Practice Principles for Regulatory Policy, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/b0b0924e-en.

[9] OECD (2020), Reviewing the Stock of Regulation, OECD Best Practice Principles for Regulatory Policy, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/1a8f33bc-en.

[10] OECD (2012), Recommendation of the Council on Regulatory Policy and Governance, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/9789264209022-en.

Observações

← 1. O evento da vida é um modelo de serviço integrado na prestação de serviços públicos. A prestação de serviços tende a ser baseada em um único evento da vida (por exemplo, “ter um filho”, “abrir uma empresa”, etc.), para que um único funcionário possa resolver todas as interações com o cidadão ou a empresa de forma holística. Dessa forma, os balcões únicos devem ter como objetivo garantir uma experiência completa através de vários canais de interação. Os balcões únicos de eventos da vida mais comuns são: criação, expansão e encerramento de empresas; informações de autorização e licenciamento de diferentes níveis de governo para uma área geográfica específica; nascimentos, mortes e casamentos; e compra de propriedade.

← 2. https://www-gov-br.translate.goog/secretariageral/pt-br/moderniza-brasil/revisao-de-atos-normativos-inferiores-a-decreto?_x_tr_sl=pt&_x_tr_tl=en&_x_tr_hl=en&_x_tr_pto=wapp, último acesso em 16 de março de 2022.

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