Capítulo 1. O Brasil na transformação digital: Oportunidades e desafios

O presente capítulo faz uma introdução para a Revisão. Começa com uma visão geral das recentes tendências econômicas e sociais no Brasil, além das oportunidades que a transformação digital poderia proporcionar na melhoria da vida e do bem-estar dos cidadãos. Em seguida, mostra a resposta atual do governo, com foco na Estratégia E-Digital do Brasil. Posteriormente, apresenta o Marco de Políticas Integradas “A Caminho da Era Digital” da OCDE. A seção final apresenta um resumo da Revisão.

Desde a virada do século até a recessão de 2014-16, o Brasil combinou um rápido crescimento econômico com um notável avanço social. Entre 2001 e 2013, o produto interno bruto (PIB) real cresceu 3.5% ao ano em média, um índice muito maior do que o da OCDE (1.9%), embora seja inferior ao do Chile (4.5%) e de outros países do BRIICS (Brasil, Rússia, Índia, Indonésia, China e África do Sul) (6.2%). O número de pobres (definido como pessoas com PPC menor que USD 5.50 por dia) foi reduzido pela metade entre 2001 e 2014, caindo para 18% da população. A taxa de desemprego também caiu, de 9.8% em 2003 para 6.5% em 2014.

A grave recessão de 2014 a 2016 parece ter acabado com esse ciclo virtuoso. Após a retração do PIB (-2.1% ao ano) durante esse período, a economia brasileira cresceu a uma taxa anual bem menor (1.4%) nos três anos seguintes (2017-19). A taxa de desemprego pulou para 12% em 2018, enquanto o número de pobres aumentou em 7.4 milhões. A desigualdade permanece alta em comparação à OCDE, com os 10% mais ricos da população recebendo 42% da renda total. Após a crise da Covid-19, a projeção é de que a economia terá uma contração de 7.4-9.1% em 2020, ao mesmo tempo, prevê-se que o desemprego atingirá altas históricas (OCDE, 2020a).

Mais fundamentalmente, os atributos favoráveis que impulsionaram o crescimento até a recessão de 2014 (aumento da mão de obra associado ao crescimento nos preços de commodities) agora parecem ter se esgotado. A população do Brasil está envelhecendo rapidamente e o financiamento dos gastos públicos está se mostrando cada vez mais difícil (OCDE, 2018a), resultando no lançamento de reformas estruturais pelo governo, como a recente reforma do sistema da previdência.

A resolução desses problemas requer uma variedade de medidas complementares. Entre elas, políticas para aumentar a transformação digital têm um papel fundamental. As tecnologias digitais são facilitadoras da inovação e da produtividade em empresas. Redes de banda larga de alta velocidade fornecem às pessoas e às empresas, acesso aos serviços governamentais e mercados internacionais, além de poder ajudar a reduzir desigualdades. A digitalização pode ajudar a reduzir encargos regulatórios e a informalidade. Também pode aumentar a eficiência dos gastos públicos, oferecendo, portanto, mais recursos para políticas. Recursos para a educação on-line oferecem novas ferramentas de ensino e fornecem novas oportunidades de formação, ademais de contribuir para a melhoria das qualificações dos trabalhadores e pessoas em geral.

Ao mesmo tempo, a transformação digital pode acentuar desigualdades existentes, principalmente entre pessoas muito e pouco qualificadas, empresas grandes e pequenas, bem como entre regiões urbanas e rurais. As políticas são essenciais para garantir que os potenciais benefícios da transformação digital, sejam compartilhados em toda a economia e com a sociedade.

Entre 2001 e 2013, o crescimento anual da produtividade do trabalho no Brasil, estava um pouco acima da média da OCDE (1.5% versus 1.2%), mas bem abaixo dos números de outros países do BRIICS (5.1%) (Figura 1.1). A produtividade do Brasil diminuiu durante a recessão de 2014-16 (-1.3% ao ano), mas começou a crescer novamente entre 2017-19 (0.4%), ainda que num ritmo bem mais lento do que o da OCDE e dos outros países do BRIICS (0.9% e 3.4%, respectivamente). Em 2019, a produtividade do trabalho no Brasil era de apenas um quarto a dos Estados Unidos. A diferença de produtividade também era grande em relação a países como Chile (-34%), México (-30%) e Argentina (-26%).

As tecnologias digitais têm o potencial de aumentar a produtividade de empresas em todos os setores da economia. Big data e análise de dados podem ajudar as empresas a entender melhor seus processos de produção, as necessidades dos clientes e parceiros, e o ambiente geral do negócio. As tecnologias digitais também podem melhorar o acesso das empresas a habilidades e talentos, por exemplo, por meio de melhores sites de recrutamento e na terceirização de cargos importantes do negócio, sendo que todos esses recursos ajudam a melhorar o desempenho. Novas tecnologias também podem facilitar o acesso a uma variedade de instrumentos financeiros. Por fim, plataformas on-line podem apoiar a produtividade de empresas que possuem serviços tecnológicos inferiores, por exemplo, fornecendo-lhes recursos de contabilidade e algoritmos de correspondência eficientes, baseando-se nas análises de consumidores e em sistemas de classificação (OCDE, 2019a).

A Internet das Coisas (Internet of Things, IoT), em especial, tem um potencial significativo para inovações de processos e ganhos de eficiência. Sensores modernos possibilitam a coleta de grandes quantidades de dados, que podem ser processados por dispositivos inteligentes e introduzidos em decisões de produção. Os conjuntos de big data resultantes criam ainda mais benefícios, incluindo a integração de novos serviços e prestadores de serviços na cadeia de valor (OCDE, 2017a).

Apesar do amplo acesso à Internet, as empresas brasileiras ficam para trás em relação às empresas nos países da OCDE, no que diz respeito ao uso da Internet e de tecnologias digitais, em grande parte como resultado da baixa adesão por parte das pequenas e médias empresas (PMEs). A manufatura avançada (a combinação de tecnologias digitais, robótica, IoT e análise de dados para melhorar os processos de produção e a qualidade do produto) ainda está em uma etapa inicial (veja o Capítulo 3).

Em junho de 2019, o Brasil lançou o Plano Nacional de IoT com o objetivo de “promover a implementação da IoT como um instrumento de desenvolvimento sustentável para a sociedade brasileira, capaz de aumentar a competitividade, fortalecer as cadeias de produção nacionais e promover uma qualidade de vida melhor” (Decreto 9.854 de 25 junho de 2019). O plano especifica 75 iniciativas, organizadas ao longo de 4 eixos temáticos transversais. O agronegócio e a manufatura estão entre os setores prioritários do plano (veja o Capítulo 6).

O Brasil fez um progresso substancial na facilitação do acesso à educação nas últimas décadas. No entanto, apesar do aumento nos gastos com educação e do amplo acesso aos ensinos fundamental e médio de forma gratuita, o nível de escolaridade continua baixo (Figura 1.2). Mais de 50% dos brasileiros não se formaram no ensino médio e 17% não concluíram o ensino fundamental. Esses números estão bem acima da média da OCDE que é de 2%. As matrículas em cursos de formação profissional e de graduação técnica são baixas, com apenas 3.8% dos alunos do ensino médio optando por cursos técnicos. O baixo desempenho no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Programme for International Student Assessment, PISA) da OCDE, sugere uma baixa qualidade de ensino, bem como grandes disparidades nos resultados dependendo do contexto socioeconômico dos alunos.

Baixas qualificações impedem usuários de Internet e trabalhadores, de usar tecnologias digitais com eficiência e de se beneficiar delas, criando, portanto, uma desigualdade digital de segundo nível (OCDE, 2019c). A falta de qualificação também é um motivo significativo para os baixos níveis de produtividade do Brasil (OCDE, 2018a). Os empregadores brasileiros relatam ter dificuldades no recrutamento de técnicos, negociadores capacitados e engenheiros. Os profissionais de TIC representam a segunda maior escassez (OCDE, 2018b).

O Brasil implementou um programa de ensino on-line para o desenvolvimento de competências no setor de TI (Brasil Mais Digital), voltado para jovens de 16-25 anos. Também criou novas oportunidades de treinamento vocacional sob o amparo do programa Pronatec. Embora tenha havido progresso, altos índices de desistência sugerem que esses programas podem ser aprimorados, a fim de melhor atender às necessidades de formação, e adequar-se às demandas de competências. Além disso, há margem para um melhor alinhamento de currículos universitários aos perfis de emprego em demanda no mercado de trabalho (OCDE, 2017b).

Ao mesmo tempo que criam uma demanda por novas competências, as tecnologias digitais e o big data também podem ajudar a aumentar a eficácia dos programas de ensino e formação. A análise de vagas on-line fornece informações mais oportunas sobre a demanda de competências em pequenas áreas geográficas. A tecnologia do big data permite o monitoramento e a avaliação dos resultados de participantes do ensino e formação vocacionais no mercado de trabalho, fornecendo assim, informações sobre como melhorá-los. A coleta e a divulgação on-line de informações oportunas sobre o desempenho de instituições de ensino superior, por exemplo, universidades, ajudam alunos em potencial a tomar decisões informadas.

Cursos on-line e outros recursos educacionais abertos, podem ser usados para melhorar as competências digitais em uma parcela maior da população, principalmente entre pessoas mais velhas, de baixa renda e com poucas habilidades, bem como aquelas que moram em áreas afastadas. Diversos países implementaram iniciativas, para desenvolver as competências digitais de toda a população ou de grupos específicos, com as quais o Brasil poderia aprender algo (veja o Capítulo 3).

A concorrência é essencial, no que diz respeito à criação de incentivos para investir em tecnologias de produção mais eficientes, introduzir novos produtos inovadores e alcançar boas práticas globais (Pinheiro, 2013; IEDI, 2014). No entanto, barreiras de entrada, baixa integração à economia global e políticas industriais específicas, levaram à baixa concorrência na economia brasileira (OCDE, 2018a).

De acordo com o índice de facilidade para fazer negócios do Banco Mundial, o Brasil está na 137ª posição entre as 190 economias analisadas quanto à facilidade para fazer negócios (Figura 1.3). Por exemplo, a abertura de uma empresa no Brasil requer 11 procedimentos e leva 18.5 dias, enquanto Chile, Colômbia e México requerem menos procedimentos que podem ser concluídos em no máximo 11 dias. Já há muito tempo, as exigências regulatórias do Brasil sobre mercados de produtos, são significativamente mais complexas e restritivas do que nos países da OCDE, e carecem de transparência e simplicidade (OCDE, a ser publicado). Um sistema tributário complexo e o acesso limitado ao crédito, restringem ainda mais a concorrência internacional, impedindo que pequenas empresas, cujo número é relativamente grande no setor, se tornem concorrentes de médio porte.

As ferramentas digitais podem ajudar a simplificar os procedimentos de entrada no mercado e o licenciamento, que além de mais complexos e restritivos no Brasil quando comparados a outros países da OCDE, também carecem de transparência e simplicidade. Além do mais, podem reduzir custos de conformidade com o sistema tributário. Novos modelos de negócios no setor financeiro, por exemplo, as chamadas fintechs, podem aumentar a concorrência no mercado e melhorar o acesso ao crédito de modo significativo.

A duração e a incerteza de processos judiciais prejudicam ainda mais a concorrência, potencialmente resultando em altos custos para as empresas. A aplicação de um contrato de empréstimo padrão leva 731 dias em São Paulo, em comparação com 290 em Seul, 341 na Cidade do México, 426 em Lima e 480 em Santiago (Banco Mundial, 2019a). A implementação de arquivos judiciais digitais melhoraria a eficiência do sistema judicial. Plataformas on-line também podem dar suporte ao desenvolvimento de soluções extrajudiciais para conflitos.

O e-commerce tem o potencial de aumentar o acesso das empresas a mercados maiores, principalmente para PMEs. No entanto, o e-commerce no Brasil não atingiu todo o potencial de um mercado de 107.5 milhões de usuários adultos da Internet. Apenas 21% das empresas vendiam on-line em 2019. Em 2017, o e-commerce representava apenas 6% do total de vendas de varejo, em comparação com 20% na República Popular da China (doravante denominada, China), 19% na Coreia e 12% nos Estados Unidos (McKinsey, 2019). Contudo, as vendas de e-commerce no Brasil cresceram a uma taxa anual de 16% em 2019, excedendo em muito o crescimento da economia como um todo (Ebit Nielsen, 2020). Preocupações com a privacidade (64%), e a incapacidade de fazer pagamentos on-line (38%), estão entre os principais motivos relatados pelos consumidores para não fazer pedidos on-line (veja o Capítulo 3).

Para abordar alguns dos obstáculos regulatórios mencionados acima, o Congresso Nacional aprovou recentemente uma lei que estabelece a “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica” (Lei 13.874 de 20 de setembro de 2019). A lei estabelece quatro princípios: 1) liberdade no exercício de atividades econômicas; 2) boa-fé do indivíduo; 3) intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e 4) reconhecimento da vulnerabilidade do indivíduo perante o Estado.

A proposta de um Marco Legal de Startups e Empreendedorismo Inovador foi aberta para consulta pública no momento da redação. O objetivo do marco é melhorar o ambiente comercial para startups, facilitando o investimento em pequenas empresas e abordando questões provenientes dos regulamentos trabalhistas e leis de compras públicas.

O Brasil gastou mais de 15% do PIB em benefícios sociais em 2016, correspondendo a 35% do total de gastos do setor público. Os benefícios sociais são responsáveis por mais da metade do aumento nos gastos primários e continuam superando o crescimento do PIB. Embora esses programas sejam cruciais para um crescimento mais inclusivo, grande parte dos benefícios sociais são pagos a famílias que não são pobres, tendo assim um impacto limitado na redução da desigualdade e da pobreza (Banco Mundial, 2019b) (Figura 1.4).

O uso de ferramentas digitais e big data poderia permitir um melhor direcionamento dos gastos sociais aos mais necessitados. Também poderia ajudar na verificação do cumprimento das condições relacionadas a alguns programas sociais, por exemplo, frequência escolar ou check-ups médicos para o Bolsa Família, aumentando sua eficácia.

Os gastos da saúde pública atingiram 4.4% do PIB do Brasil em 2018. No entanto, a eficiência dos gastos com saúde, parece baixa em comparação com outros países (OCDE, 2015). As tecnologias digitais, como prontuários eletrônicos de saúde, prescrições eletrônicas e telemedicina, podem ajudar o Brasil a melhorar o acesso e a qualidade dos serviços de saúde, principalmente em áreas remotas (veja o Capítulo 6).

Os aplicativos móveis também poderiam melhorar a assistência técnica a pequenos agricultores familiares, que representaram 40% da receita total do Brasil em 2018, fornecendo acesso a serviços de extensão digital, informações técnicas (por exemplo, sobre doenças de plantas), bem como serviços digitais (por exemplo, software de contabilidade e planejamento) (veja o Capítulo 6).

Esforços adicionais para reduzir a informalidade serão essenciais para um crescimento mais inclusivo no Brasil, já que serviços provindos da economia informal têm qualidade inferior e são menos produtivos (OCDE, 2018c). Em 2017, com a simplificação dos regulamentos do mercado de trabalho, a reforma trabalhista fortaleceu os incentivos para a criação de trabalhos formais. O Brasil pode aproveitar o potencial das ferramentas digitais para reduzir a informalidade, tanto por simplificar os complexos procedimentos para a abertura de empresas, como por facilitar a afiliação de trabalhadores à previdência social. Contanto que regulamentos apropriados estejam em vigor, plataformas de trabalho digitais poderiam ajudar a impulsionar a formalidade no mercado de trabalho, fazendo com que autoridades tributárias tenham acesso aos dados dessas transações (OCDE, 2018d).

Os pagamentos em dinheiro estão no cerne da informalidade. Promover a adoção de ferramentas digitais de pagamento, reduziria a dimensão das transações em dinheiro e ajudaria a expor atividades econômicas informais. Em especial, a difusão de pagamentos imediatos e outros métodos inovadores, poderia reduzir o uso de dinheiro, mesmo para pequenas transações, e a um custo irrisório para os usuários (veja o Capítulo 3).

Reconhecendo as oportunidades e desafios trazidos pela transformação digital, em 2018, o governo publicou a Estratégia Brasileira para a Transformação Digital (E-Digital), abrangendo um período de quatro anos (2018-2021). A estratégia coordena diferentes iniciativas governamentais sobre questões digitais em uma estrutura coerente, para fomentar o processo de digitalização da produção, promover o ensino e o treinamento para o ambiente digital, além de possibilitar o crescimento econômico (MCTIC, 2018).

A E-Digital é uma iniciativa do governo federal, coordenada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). A política, desenvolvida por um Grupo de Trabalho Interministerial composto por nove órgãos do governo, é fruto de sete meses de reuniões, avaliações e consultas públicas. Representantes de mais de 30 entidades do governo federal interagiram com o grupo principal ao longo do processo. A estratégia também reflete a ampla participação do setor privado, das comunidades científica e acadêmica, e da sociedade civil, através das várias etapas do processo de elaboração.

A E-Digital compreende dois eixos temáticos: o dos habilitadores da transformação digital e o da transformação digital em si (Figura 1.5).

Os habilitadores incluem iniciativas para criar um ambiente propício à transformação digital da economia brasileira. Tais habilitadores incluem infraestrutura e acesso a tecnologias da informação e comunicação (TIC); atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação; a criação de um ambiente regulatório apropriado; regras e normas que promovam a confiança no ambiente digital; competências educacionais e profissionais para a economia digital; e presença internacional do Brasil.

Esse ambiente propício, cria um cenário favorável para várias iniciativas de transformação digital, tanto no setor público como no setor privado. Ações específicas se relacionam diretamente com o processo de transformação digital:

  • transformação digital da economia (economia baseada em dados, dispositivos conectados, novos modelos de negócios)

  • transformação digital do governo (cidadania no mundo digital e eficiência na prestação de serviços governamentais).

A implementação da estratégia é apoiada por um comitê diretivo, o Comitê Interministerial para a Transformação Digital (CITDigital), criado pelo Decreto 9.319/2018. O CITDigital é presidido pela Casa Civil da Presidência da República, e é composto por representantes (até três) dos: Ministério das Relações Exteriores; Ministério da Economia; Ministério da Educação; Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações; e Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (Decreto 9.804/2019).

As ações estratégicas da E-Digital são atribuídas a diferentes ministérios e agências, com mandatos legais para suas respectivas áreas temáticas; nem todos eles estão diretamente representados no CITDigital. Todavia, esses ministérios e agências prestam informações ao CITDigital sobre a implementação das ações, e podem ser convidados a participar de reuniões específicas ou grupos temáticos no comitê.

O CITDigital é um comitê de nível federal para coordenação horizontal, ou seja, entre ministérios. Existe ainda um órgão consultivo composto por várias partes interessadas, com representantes do setor privado, da sociedade civil e do meio acadêmico, para fornecer uma abordagem transversal ao mandato do CITDigital. Além disso, o CITDigital pode criar subcomitês temáticos para discutir assuntos específicos abrangidos pela E-Digital, que demandem maior atenção; esses subcomitês podem convidar especialistas do governo de todos os níveis (federal, estadual e municipal), do setor privado, do meio acadêmico ou da sociedade civil, para contribuir com o debate. Os resultados do trabalho dos subcomitês temáticos são relatados ao CITDigital como recomendações de políticas.

Em julho de 2018, o CITDigital estabeleceu o Plano de Ação 2018-2019, com 34 ações prioritárias de um total de 100. Esse plano de ação detalha o ministério ou instituição responsável por cada ação, se a ação faz parte de uma política pública mais ampla, como se relaciona à estratégia como um todo, além de seu status de implementação e indicadores de monitoramento (ou etapas necessárias para desenvolver e adotar indicadores apropriados), entre outras informações. O Relatório Parcial de 2018 do Plano de Ação foi apresentado e aprovado pelo comitê em dezembro de 2018.

A lei orçamentária não prevê nenhuma verba específica para a E-Digital. As ações estratégicas são projetos na área de responsabilidade dos diferentes ministérios e agências do governo, que já têm dotações orçamentárias específicas. Devido à natureza transversal da maioria das iniciativas da E-Digital, os fundos necessários para a implementação de uma ação estratégica podem corresponder ao orçamento atribuído a mais de um projeto ou ministério no poder executivo. O MCTIC está autorizado a articular as instituições do governo e coordenar reuniões para implementar e monitorar a estratégia.

Conforme destacado na E-Digital, a transformação digital afeta diferentes partes da economia e da sociedade de formas complexas e interrelacionadas; gerando conflitos de escolha e fazendo com que seja difícil conciliar os objetivos das políticas públicas. A Caminho da Era Digital no Brasil busca ajudar o país a garantir uma abordagem integral do governo (whole-of-government), coerente e coesa, para melhor responder à transformação digital e fazê-la funcionar para o crescimento e o bem-estar.

A OCDE desenvolveu um Marco de Políticas Integradas para apoiar uma abordagem integral do governo (whole-of-government), que conduza à criação de políticas coerentes na era digital. O marco reconhece tecnologias, dados e modelos de negócios como propulsores da transformação digital, e se desenvolve através da análise do vetor transversal da transformação, numa série de áreas diferentes que são responsáveis pela elaboração de políticas. O marco em si, integra sete elementos básicos (Figura 1.6).

Esses elementos básicos integrados não representam diferentes domínios políticos; em vez disso, cada um deles une várias áreas políticas (veja mais detalhes sobre cada elemento abaixo). Eles tampouco ficam isolados, mas estão relacionados uns aos outros. Essa configuração destaca que o aproveitamento dos benefícios e a abordagem dos desafios da transformação digital, requerem a identificação de áreas políticas que sejam afetadas em conjunto e que precisam ser coordenadas. Também ressalta que todos os elementos básicos são necessários, para fazer a transformação digital funcionar para o crescimento e o bem-estar.

Infraestruturas e serviços de comunicação confiáveis, sustentam o uso de todas as tecnologias digitais, além de facilitar interações entre pessoas, organizações e máquinas conectadas. De modo semelhante, os dados que circulam pelas redes emergiram como uma fonte de valor na era digital, mas seu uso produtivo depende da sua disponibilidade.

Como infraestruturas e serviços de comunicação confiáveis são essenciais para a transformação digital, o primeiro elemento básico integrado está relacionado ao acesso a dados, infraestruturas e serviços de comunicação (por exemplo, backhaul de fibra óptica, torres, espectro, cabos internacionais). Também abrange redes e serviços de comunicação de banda larga eficientes, confiáveis e amplamente acessíveis, além de facilitadores complementares essenciais (por exemplo, sistemas coordenados de nomes de domínios internacionais, maior adoção de endereços da Internet IPv6, pontos de troca de tráfego), dados, software e hardware. Esses componentes agem como as bases técnicas para uma Internet aberta, interconectada e distribuída, que permite a livre circulação global de informações e, de modo geral, a transformação digital (OCDE, 2011). Múltiplos domínios políticos precisam ser considerados para garantir o acesso, incluindo: infraestruturas e serviços de comunicação, investimentos, concorrência, e desenvolvimento regional.

O acesso a redes digitais fornece a base técnica para a transformação digital da economia e da sociedade, mas não necessariamente garante a difusão generalizada das ferramentas digitais e seu uso eficaz. O uso eficaz é necessário a fim de que pessoas, governos e empresas colham os benefícios da transformação digital, por meio da participação, inovação, produtividade e bem-estar aprimorados. A difusão e o uso eficaz dependem fundamentalmente de: investimentos em TICs, complementados por investimentos em capital baseado no conhecimento, incluindo dados e mudanças organizacionais; um ambiente de negócios favorável, por exemplo, um que promova o dinamismo de negócios; disponibilidade e alocação de capacidades; e confiança. Portanto, múltiplos domínios políticos precisam ser considerados no elemento “uso”: governo digital, investimentos, dinamismo de negócios e PMEs; ensino e capacidades; além de segurança digital e privacidade.

A inovação, outro elemento básico integrado, expande os limites do que é possível, levando à criação de empregos, ao crescimento da produtividade, e ao crescimento e desenvolvimento sustentáveis. A inovação digital, especificamente, impulsionou mudanças radicais nas formas como as pessoas interagem, criam, produzem e consomem. A inovação digital não só resulta em produtos e serviços novos e originais, mas também cria oportunidades para novos modelos de negócios e mercados, além de poder impulsionar eficiências no setor público e muito mais. Ademais, as tecnologias digitais e os dados, incentivam a inovação em uma variedade de setores, incluindo educação, saúde, finanças, seguros, transporte, energia, agricultura e pesca, bem como o setor de TIC em si. Múltiplos domínios políticos precisam ser considerados para promover a inovação, incluindo empreendedorismo e PMEs; ciência e tecnologia; concorrência; governo digital; e políticas setoriais, como energia, finanças, educação, transporte e saúde, entre outros.

A transformação digital já começou a mudar a natureza e a estrutura das organizações e dos mercados, levantando questões importantes sobre quais trabalhos podem desaparecer e de onde surgirão novos cargos, quais serão seus aspectos e quais competências exigirão. Ao mesmo tempo, surgiram questões sobre quem pode ser mais afetado e o que pode ser feito para fomentar a criação de novos empregos e alinhar o desenvolvimento de competências à evolução das exigências em matéria de qualificações. Os avanços tecnológicos e a introdução de novos modelos de negócios, deram origem à “economia das plataformas” e levaram ao surgimento de novas formas de trabalho, como o “crowdworking” (contribuição colaborativa), a “economia freelancer”, e outras formas de trabalho sob demanda. A garantia de que a transformação digital leve a mais e melhores trabalhos, dependerá do tipo de políticas que a acompanhem, incluindo áreas tais como: mercados de trabalho, educação e competências, e proteção social. Visto que os impactos positivos podem ficar concentrados em poucas indústrias e regiões, as políticas setoriais e regionais serão igualmente importantes.

A transformação digital afeta a sociedade e a cultura de formas complexas e interrelacionadas, já que as tecnologias digitais mudam a forma como as pessoas, empresas e governos interagem entre si. A fim de que a transformação digital promova o crescimento e o bem-estar, é essencial que as políticas públicas apoiem uma sociedade digital positiva e inclusiva. Para isso, múltiplos domínios políticos precisam ser considerados: políticas sociais (por exemplo, moradia e bem-estar), educação e competências, políticas tributárias e de benefícios, meio ambiente, saúde e governo digital. A transformação digital muda a distribuição de benefícios, levantando a questão de onde a vida está ficando melhor e para quem, fazendo das políticas sociais uma parte importante do conjunto de ferramentas políticas. Sobretudo, as políticas sociais podem ajudar a solucionar uma variedade de desigualdades digitais.

A confiança é fundamental para a transformação digital; sem ela, as pessoas, empresas e governos não usarão as tecnologias digitais de forma plena, deixando inexplorada uma importante e potencial fonte de crescimento e progresso social. Os países podem se beneficiar grandemente da cooperação internacional, se desenvolverem estratégias nacionais de segurança digital e privacidade, que sejam amplas e coerentes, a fim de solucionar problemas como a proteção de dados pessoais, resiliência de serviços essenciais (por exemplo, água, energia, finanças, saúde pública e segurança), criação de incentivos (por exemplo, seguro cibernético, compras públicas), apoio para PMEs e desenvolvimento de competências relacionadas, em consulta com todas as partes interessadas relevantes. Ao mesmo tempo, é importante continuar promovendo a proteção eficaz dos consumidores que usam o e-commerce, e realizam outras atividades on-line, já que isso ajuda a economia digital a prosperar e ser inclusiva.

As tecnologias digitais estão transformando o ambiente em que as empresas competem, negociam e investem. Políticas de abertura de mercado relacionadas a negociações, investimentos, mercados financeiros, concorrência e tributação, têm um papel importante na garantia de que condições favoráveis existam, para a transformação digital prosperar. A transformação digital também afeta os domínios políticos de abertura de mercado, criando oportunidades e desafios. Os governos podem se beneficiar da revisão periódica de políticas de abertura de mercado e, quando apropriado, atualizá-las a fim de garantir que sejam adequadas, para que a transformação digital promova o crescimento e o bem-estar.

A Revisão está organizada da seguinte forma:

  • O capítulo 2 revisa os desenvolvimentos recentes no mercado de comunicação brasileiro, examina a disponibilidade e a qualidade de redes e serviços de comunicação, bem como políticas e regulamentos de comunicação; fornece recomendações de políticas, com base nas descobertas da Avaliação da OCDE sobre Telecomunicações e Radiodifusão no Brasil 2020 (OCDE, 2020b).

  • O capítulo 3 revisa as recentes tendências no uso de tecnologias digitais por pessoas, empresas e pelo governo; obstáculos para a adoção digital e políticas para superá-los; e competências para o uso das tecnologias digitais; ademais de fornecer recomendações de políticas para estimular a adoção e as competências digitais.

  • O capítulo 4 discute políticas para aumentar a confiança na economia digital, incluindo como as políticas de segurança digital podem ajudar a promover a resiliência econômica e social no Brasil; avalia as iniciativas do governo para garantir que os dados pessoais sejam gerenciados com confidencialidade e que a privacidade seja respeitada; e examina a estrutura brasileira para proteger e empoderar os consumidores digitais.

  • O capítulo 5 analisa o cenário da ciência, tecnologia e inovação no Brasil; revisa os principais instrumentos políticos para apoiar a pesquisa e a inovação na esfera digital; e oferece recomendações de políticas para promover a inovação digital.

  • O capítulo 6 revisa as transformações recentes em alguns setores importantes no Brasil (agronegócio, manufatura e saúde), bem como o surgimento de novos modelos de negócios, tais como as fintechs, e examina suas implicações nas políticas.

  • O capítulo 7 coloca em perspectiva as políticas analisadas nos outros capítulos em relação à coerência em diferentes domínios, e fornece recomendações para promover sinergias entre ministérios, níveis e instituições do governo, com base no Marco de Políticas Integradas “A Caminho da Era Digital” da OCDE.

Referências

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